Vídeo: em feira agro, secretário de Meio Ambiente de RO diz que é ‘desumano’ criar UCs e defende apoio a ruralistas 

27 de maio de 2022

11:05

Iury Lima – Da Revista Cenarium

VILHENA (RO) — Em um vídeo que revoltou organizações da sociedade civil, ambientalistas e que, além disso, ainda vai render apuração do Ministério Público do Estado de Rondônia (MPRO), como informado pela instituição, com exclusividade à REVISTA CENARIUM, o titular da Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam), secretário Marco Antonio Lagos, aproveitou a programação da maior feira voltada ao agronegócio na Região Norte para atacar as pautas ambientais na Amazônia, afirmando, em alto e bom som, o interesse político do governador Coronel Marcos Rocha (PSL) na abertura de vantagens para ruralistas — mesmo que ao custo da destruição dos ecossistemas.

O vídeo foi conduzido por um homem que aparece ao lado de Lagos, incitando o secretário ao discurso, enquanto perguntava sobre o que ele chamou de uma ‘suposta’ criação de uma nova Unidade de Conservação (UC), na região de Guajará-Mirim, município a 329 quilômetros de Porto Velho.

“Isso é mentira”, esbravejou, em resposta. “Não tem nenhuma reserva sendo criada ali na região de Guajará. Seria impossível de criar, seria desumano. O governador é ligado ao agro, ao desenvolvimento. Isso é mentira! Eu garanto: não estamos criando nenhuma área de reserva”, continuou Antonio Lagos.

Empolgado, o homem que se apresenta no início do vídeo como amigo do secretário, joga o boato de que “estão dizendo por aí que o governador é ambientalista, quando, na verdade, ele está reduzindo áreas de reserva, justamente, para melhorar a situação dos agricultores”. “Não é verdade?”, complementa. 

“Sem nenhuma dúvida!”, rebate o chefe da Sedam. “Estamos tentando até desfazer erros de áreas criadas, sem nenhum estudo, onde havia pessoas morando. Nós estamos tentando e vamos lutar por isso. Rondônia é agro. Vai preservar onde tem que preservar, mas vai cultivar, vai lutar onde precisa!”, finalizou o secretário.

Veja o vídeo com o secretário na íntegra:

Homem aparece ao lado do secretário da Sedam de Rondônia, incentivando discurso contra a gestão ambiental (Reprodução/Redes Sociais)

‘Desumano é destruir’

Especialistas ouvidos pela CENARIUM avaliam como ‘desumana’ a postura do gestor ambiental de Rondônia, e o classificam como despreparado para o cargo.

“É lamentável esse depoimento do secretário da Sedam, porque mostra o desconhecimento dele sobre a própria função. É obrigação do Estado, por meio deste órgão, a criação e a manutenção das Unidades de Conservação e Áreas Protegidas”, disse o tecnólogo em Gestão Ambiental e Conselheiro da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, de Rondônia, Edjales Benício. 

O especialista acusa Lagos de promover racismo ambiental (Reprodução/Acervo pessoal)

Para Benício, além de uma amostra do ‘despreparo’, a postura do secretário é uma pura ‘manifestação de racismo ambiental’

“Quando se cria áreas de preservação, além de proteger a fauna e a flora, significa, também, dar qualidade de vida para as comunidades tradicionais, bem como os povos indígenas e quilombolas. Eu não vejo nada de desumano na criação de UCs. Muito pelo contrário, vejo uma política humanista, que visa preservar os recursos naturais e, sobretudo, a vida humana. Desumano é promover a grilagem. Desumano é o massacre que esses povos sofrem por conta da ganância sobre os recursos naturais”, acrescentou o especialista.

‘Pessoa errada, na pasta errada’

Indigenista, ambientalista e presidente da Associação Kanindé, Ivaneide Bandeira Cardozo (Neidinha Suruí), diz ter ficado assustada com as palavras que ouviu saírem da boca do chefe da Sedam. “É bem o retrato de um governo, ou seja, de um desgoverno que não respeita as normas ambientais: quem deveria ser a principal pessoa a defender essas questões no Estado, é, na verdade, quem faz uma declaração de racismo ambiental exacerbado”, declarou, indignada.

Para Neidinha Suruí, Marco Antonio Lagos não deveria ocupar o cargo à frente da Sedam (Reprodução/Gabriel Uchida)

“Ele está na pasta errada, com certeza. Ele não poderia ser secretário de Meio Ambiente, com um discurso desse. O que me resta dizer é que, em Rondônia, o meio ambiente está nas mãos de uma pessoa que não tem nenhum respeito com as questões ambientais”, encerrou a ambientalista. 

Discurso do secretário é controverso

Marco Antonio Lagos diz que o governo visa “corrigir erros” do passado, que seriam a criação de UCS “sem estudo técnico”, mas esqueceu que foi o governador de Rondônia, Coronel Marcos Rocha, quem deu uma “canetada” sem entender sobre preservação ambiental, quando tentou reduzir 220 mil hectares de duas grandes Áreas Protegidas: a Reserva Extrativista Jaci-Paraná e o Parque Estadual de Guajará-Mirim.

A lei chegou a ser sancionada, no ano passado, mas caiu, por decisão judicial, como relembra Edjales Benício: “é importante que ele [Lagos] esclareça, também, qual é a Unidade de Conservação criada que não teve estudos. O que aconteceu foi exatamente o contrário: o Estado tentou reduzir UCs sem fundamentação técnica nenhuma. Tanto é que o TJ, por unanimidade, declarou inconstitucional a lei criada pelo governo”, disse.

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Resex Jaci-Paraná e Parque Estadual de Guajará-Mirim antes e depois da redução. (Arte: Catarine Hak/CENARIUM)

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Ministério Público acompanha

Procurado pela reportagem, o MPRO informou, em primeira mão, que repassou a situação ao promotor de Justiça de Meio Ambiente e que o órgão “tem acompanhado diligentemente todas as propostas de alteração de áreas de reserva, mudança ou diminuição, tendo, inclusive, proposto ações de inconstitucionalidade”. 

“A atuação do MPRO buscará sempre fazer cumprir as regras constitucionais e legais de proteção ao Meio Ambiente”, finalizou a nota.

O que diz o governo

Em resposta à CENARIUM, o Governo de Rondônia enviou uma nota, por meio da Sedam. No entanto, o documento foge dos questionamentos e minimiza as falas do secretário da pasta. Também afirma que, ao contrário do que disse Lagos, o órgão “trabalha para promover” a preservação ambiental no Estado. 

“A Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental (Sedam) esclarece que o vídeo trata de boatos da criação de novas reservas na região do município de Guajará-Mirim. Não há estudos técnicos, no âmbito do órgão ambiental estadual, com vistas à criação de novas Unidades de Conservação no município de Guajará-Mirim, que já possui mais de 90% do seu território composto por áreas protegidas. Dessa forma, a Sedam reafirma o seu compromisso de continuar trabalhando em prol da sustentabilidade ambiental em respeito a toda lei em vigor e a ordem econômica e social do Estado de Rondônia”, diz a nota.

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