‘A coisa está preta’, ‘inveja branca’ e ‘nego’: expressões racistas que devem ser extintas do vocabulário

Expressões racistas que devem ser extintas do seu vocabulário (Reprodução)

01 de agosto de 2022

14:08

Eliziane Paiva — Da Revista Cenarium

MANAUS — De todos os problemas que o brasileiro se habituou a repetir sem contestar, a discriminação racial é uma das questões que foi naturalizada pela sociedade, no cenário geral, por lideranças políticas mesmo depois de todo o histórico de escravidão vivenciado pelo País, e reproduzida com discursos opressivos.

É importante estar atento às diferenças entre os crimes. No racismo, existe ofensa a uma coletividade indeterminada, considerado inafiançável e imprescritível. Já o de injúria racial consiste em ofender a honra de alguém específico com palavras depreciativas relacionadas à raça, cor, religião e etnia.

Conforme explicou o advogado Daniel Cauper à REVISTA CENARIUM, o crime de racismo pode se “exaurir do artigo Art. 5º da CF/88, inciso XLII”, enquanto a “injúria racial está presente no artigo 140 do Decreto Lei nº 2.848 de 1940”, e pondera que injúria está relacionada à ação condicionada à representação.

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Episódio recente

Com repercussão nacional, o caso de racismo mais recente aconteceu no sábado, 30, com os filhos dos atores Giovanna Ewbank e Bruno Gagliasso. As crianças, Titi e Bless, com nove e sete anos, respectivamente, sofreram ataques racistas de uma mulher em Portugal, onde a família passa férias.

Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank comentam situação de racismo contra os filhos em Portugal. (Reprodução/TV Globo)

No domingo, 31, o casal de artistas, em entrevista ao programa global Fantástico, relembrou a situação que também envolveu uma família de turistas angolanos. Na ocasião, eles ponderam sobre a dificuldade de pessoas pretas se defenderem de pessoas brancas em situações de manifestações racistas.

Acho que ela nunca esperava que uma mulher branca fosse combatê-la como eu fui, daquela maneira. Eu sei que eu, como mulher branca, indo lá confrontá-la, a minha fala vai ser validada. Eu não vou sair como a louca, a raivosa, como acontece com tantas outras mães pretas, que são ‘leoas’ todos os dias, assim como eu fui nesse episódio”, observa Giovanna.

Para o jurista Daniel Cauper, promover o enfrentamento ao preconceito, à desigualdade e à violência contra a população negra é um passo crucial. “Compreendo que a sociedade está em constante evolução e certos termos não devem mais ser aceitos e usados, baseados em idiossincrasias e preconceitos dos nossos antepassados, que necessitam ser apontados e corrigidos”, salienta.

Expressões racistas

Aos poucos, pessoas engajadas em movimentos antirracistas e estudiosos vêm desconstruindo esses discursos e promovendo mudanças no entendimento a um novo conceito das expressões. De acordo com o doutor em linguística, psicólogo e estudioso Sérgio Freire, a língua é viva, dinâmica e histórica, por isso, está sempre mudando.

“Palavras e expressões, como ‘inveja branca’ e ‘mercado negro’, têm seu uso questionado, porque a discursividade sobre raça, pertencimento e identidade têm alterado os sentidos antes permitidos, num outro tempo”, explica.

Expressões racistas devem ser extintas do seu vocabulário. (Reprodução)

E para tirar de vez falas racistas do vocabulário, a REVISTA CENARIUM separou algumas expressões conhecidas, e ainda muito utilizadas, mas que têm contexto totalmente discriminatório, confira algumas expressões que devem ser retiradas do cotidiano e seus significados:

“A coisa está preta”

A expressão que fala por si só, está relacionada ao fato de que, se “a coisa está preta”, significa que o momento não está agradável, ou seja, uma situação desconfortável é o mesmo que uma “situação negra”, o que denota racismo.

“Amanhã é dia de branco”

Vivemos em um País onde a escravização do povo negro durou mais de 300 anos, os escravizados, mesmo submetidos a horas de trabalho pesado e situação desumanada, eram geralmente vistos como “vagabundos”.

As consequências disso duram até hoje, na maioria das vezes, o negro visto como aquele que fazia “corpo mole”, o “malandro” que não faz nada. O assunto se estende às cotas raciais e pautas sociais, inclusive, contexto em que é comum ouvir de pessoas contra as cotas a justificativa de que “não existe esforço por dessa população”

“Mercado negro”

O mercado negro é aquele que promove ações ilegais, e novamente a palavra “negro” vem sendo usada com conotação desfavorável e discriminatória, no caso dessa expressão, o negro que dizer ilícito – o que é ilegal, proibido por lei.

“Denegrir”

Já a palavra “denegrir” é recorrente quando acreditamos que estamos sendo difamados, é uma palavra vista como pejorativa, porém, seu real significado é “tornar negro”. A expressão faz alusão ao se tornar negro como algo maldoso, logo, temos mais um caso de racismo.

“Cabelo ruim”

Além de, “Cabelo de Bombril”, “Cabelo duro” e, “Quando não está preso está armado”, a questão da negação da estética é sempre comum quando se refere ao cabelo Afro.

Frequentemente, essas falas racistas são usadas, principalmente na fase da infância pelos colegas, porém que se perpetuam em universidades, ambientes de trabalho e até em programas de televisão, com a presença negra aumentando na mídia. Falar mal das características dos cabelos dos negros também é racismo.

“Não sou tuas negas”

Remete ao comportamento do “senhores” para com as mulheres negras escravizadas, com os assédios e os recorrentes estupros, a frase deixa explícita a ideia de “que com as negras pode tudo“, e com as demais não se pode fazer o mesmo. A fala também é considerada racista.

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“Morena” ou “mulata”

Usado para mulheres e homens, porém, mais comum serem usadas para descreverem as mulheres, principalmente quando seguidas pelo termo “tipo exportação”. Na expressão, o objetivo é “clarear” o negro, sendo assim embranquece a pessoa – transformando-a em “morena” ou “mulata”–, e isso é racismo.

“Feito nas coxas” e “Crioulo ou negão”

A origem da expressão popular “feito nas coxas” deu-se na época da escravidão brasileira, onde as telhas eram feitas de argila, moldadas nas coxas de escravizados. Por serem moldadas nas coxas de diferentes escravizados, algumas telhas tinham moldes diferentes e não encaixavam.  Daí surgiu o termo para associar ao trabalho “mal-feito”

Já criolo e negão, eram a designação dos filhos de escravizados, é um termo extremamente pejorativo e discriminador do indivíduo negro ou afrodescendente.

“Preto de alma branca” e “Inveja branca”

Preto de alma branca é a tentativa infundada de elogiar uma pessoa preta fazendo referência à dignidade dela como algo pertencente apenas às pessoas brancas, assim como a inveja branca, que associa o negro e preto aos comportamentos negativos, que mostra a “inveja branca” como sendo a inveja boa ou positiva.

Debate antidiscriminatório

A problemática envolvendo a discriminação racial implica em ampliar o debate trazendo provocações e reflexões a partir do tema de raça, gênero e classe se faz mais que necessário, e essa é a proposta do novo podcast ODARAS da REVISTA CENARIUM, em parceria com a Rede Onda Digital.

Para a advogada Luciana Santos, uma das apresentadoras, o programa semanal é emblemático e desafiador e também ressalta que o podcast foi pensado com foco no Norte e terá participações de convidadas (sempre do sexo feminino), com o intuito de aproveitar o espaço para divulgar as vozes, tantas vezes, silenciadas de mulheres nortistas e racializadas.

O Podcast Odaras aborda temas da atualidade sob o olhar de mulheres negras amazônidas. (Reprodução/CENARIUM)

O fato de nosso podcast ir ao ar no Dia da Mulher Negra Latino-americana e Caribenha, Dia de Teresa Benguela, e numa segunda-feira, Dia dedicado a Exu, que é o senhor dos caminhos e da comunicação é muito emblemático e um sinal de que temos o amparo de nossa ancestralidade, o que torna também o nosso trabalho um desafio muito maior“, considera Luciana.

O programa aborda temas da atualidade sob o olhar de mulheres negras amazônidas e está disponível nos meios de comunicação do Amazonas a partir das 22h, nas plataformas da Cenarium e no Canal de TV aberta no 8.2 da Rede Onda Digital.

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