A diferença entre ‘índio’ e ‘indígena’: por que um se tornou pejorativo e o outro não? Entenda
03 de junho de 2022
21:06
Iury Lima – Da Revista Cenarium
VILHENA (RO) – O veto do presidente da República Jair Bolsonaro (PL) ao Projeto de Lei 5.466/2019 que propunha mudar o nome da data alusiva à Luta e Resistência dos Povos Originários do Brasil foi mal recebido por lideranças e fortaleceu uma crescente discussão: afinal, é “índio” ou “indígena”?
Estudiosos, especialistas e os próprios líderes de comunidades tradicionais concordam que o termo ‘índio’ é ultrapassado e preconceituoso. Já o termo ‘indígena’, além de mais atual, abrangente e respeitoso, está muito mais ligado ao significado que vem do latim: algo próximo de “povo original”.
Quebrando o estereótipo
À reportagem da REVISTA CENARIUM, a antropóloga do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Lúcia Helena Rangel, disse que além de anular a pluralidade de povos e culturas, a palavra ‘índio’ remete ao Brasil Colônia e representa uma visão estereotipada.
“Falar ‘índio’ é pejorativo. Esse nome vem lá do século 16, quando Cristóvão Colombo achou que estava chegando às Índias e chamou, aqui, a população, de “Índios”, detalhou a especialista. “Hoje, a gente diz: Povos Originários, Povos Indígenas. ‘Indígena’ quer dizer ‘originário daquela terra’, ‘nativo daquela terra’”, continuou explicando.
Rangel esclarece que o termo ‘indígena’ não é utilizado apenas no Brasil, mas pela antropologia, de modo geral, para se referir aos Povos Originários “tanto de África, quanto de América” e que eles próprios, os povos tradicionais, “foram corrigindo” a nomenclatura.
“Os antropólogos já não usam a palavra índio. Quando usam, é para mostrar como ela é forte, como ela é pejorativa, como ela é sinônimo de ‘selvagem’, de ‘atrasado’, de ‘canibal’ (…) de toda essa carga negativa que pesou sobre a população indígena, principalmente, aqui, no Estado Brasileiro, porque a nossa sociedade é racista.”, disse ainda.
Lúcia Helena, que além de antropóloga e assessora do Cimi, também é vice-coordenadora do curso de Ciências Socioambientais da Faculdade de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e ressalta que trocar ‘índio’ por ‘indígena’ não é só respeito, mas, também, uma demonstração de atenção e afeto. “Esses povos merecem todo o nosso respeito. E merecem, também, ter terras demarcadas”, acrescentou.
Pluralidade
Quem concorda com a especialista em antropologia é o cacique do Povo Karipuna, de Rondônia, André Karipuna. Para ele, assim como é mais correto dizer ‘indígena’, o dia que lembra a Luta e Resistência das populações originárias do Brasil deveria ser “Dia dos Povos Indígenas”.
“Essa é a ideia, pois, ‘Dia do Índio’ remete a um só povo. E, na verdade, o Brasil todo tem Povos Indígenas”, disse ele, em entrevista à CENARIUM.
Também ouvido pela reportagem, o professor de Língua Portuguesa, Cledmar Jeferson Batista, avalia que toda a sociedade deveria respeitar os desejos dos Povos Indígenas, ainda que seja a mudança de uma “simples”, mas significativa, nomenclatura.
Morador de Vilhena, no interior de Rondônia, o educador não ‘passa pano’ para as irregularidades e ajuda a sociedade civil a promover melhores condições para as populações tradicionais que ele tanto apoia e admira.
“Nesses 522 anos da chegada dos europeus, em solo brasileiro, em terras indígenas de povos que habitam essa região há mais de 10 mil anos, a gente vem assistindo um processo de tentativa de opressão (…) Nessa questão do nome, quem tem que optar é o próprio indígena”, disse à reportagem da CENARIUM.
Para ele, o desrespeito é um reflexo de como a sociedade ainda é preconceituosa; uma “visão equivocada”, segundo ele. “O que precisamos é que a sociedade se eduque, respeite, conheça, considere os desejos, os princípios e os valores das etnias indígenas”, complementou.
Indígenas no Brasil
Apesar de ocuparem apenas 13% do território nacional e representarem menos de 0,5% da população, os povos indígenas que ainda resistem são quase 1 milhão de pessoas. Falam cerca de 274 idiomas, são integrantes de 305 etnias e habitam, especialmente, territórios protegidos, na Amazônia Legal, segundo dados da Survival International, organização que mapeia comunidades tradicionais ao redor do mundo.
Veto mal recebido por lideranças. Veja