Amazônia: falta de transparência dos Estados impossibilita mapear a exploração ilegal de madeira; governos rebatem

Só nos últimos 12 meses do período analisado, a Floresta Amazônica perdeu uma área equivalente a dois Estados de Tocantins ou três cidades de São Paulo (Vicente Sampaio/Imaflora/Reprodução)

09 de julho de 2022

20:07

Iury Lima – Da Agência Amazônia

VILHENA (RO) – Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins têm algo em comum – e não é apenas o fato de estarem inseridos no território do maior bioma brasileiro -. Acontece que, por falhar em transparência, os governos de todos esses Estados impedem o mapeamento da área explorada de forma criminosa pelo setor madeireiro na Amazônia. É o que aponta o mais recente estudo do Sistema de Monitoramento da Exploração Madeireira (Simex), formado por quatro organizações de proteção ambiental sem fins lucrativos.

Com base na pesquisa, que mostra como a extração de matéria-prima evoluiu em 40 anos, entre as décadas de 1980 e 2020, até dá para saber o tamanho do estrago, mas não é possível diferenciar a derrubada que ocorreu com autorização daquela que se deu pelo avanço do desmatamento ilegal. Outra certeza, revelada pelo estudo, é que Acre e Maranhão tiveram as piores avaliações sobre a transparência de dados.

Assinam o documento, o Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia (Idesam), Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e o Instituto Centro de Vida (ICV). 

Especialistas da Rede Simex revelam que uma nova fronteira do desmatamento está se erguendo na região central da Amazônia (Vicente Sampaio/Imaflora/Reprodução)

Ferida aberta

O estudo sobre a evolução do setor madeireiro na Amazônia expõe o quão estagnados são os Estados da região em relação ao controle dessa cadeia, mesmo após uma década da implementação da Lei de Acesso à informação (Lai).

Só nos últimos 12 meses do período analisado – entre agosto de 2019 e julho de 2020 -, a Floresta Amazônica perdeu 462 mil hectares de mata; uma área que equivale duas vezes o tamanho do Tocantins ou, ainda, três vezes o território da grande São Paulo. O problema é não saber o que foi derrubado com ou sem autorização de órgãos ambientais. “Essa é uma situação que prejudica o próprio setor florestal, a imagem do País e, obviamente, a proteção da floresta e de seus povos”, disse o coordenador de Inteligência Territorial do Instituto Centro de Vida, Vinicius Silgueiro, à reportagem da REVISTA CENARIUM.

Para chegar aos resultados, as instituições avaliaram os níveis de transparência dos Estados por meio da divulgação de dados relacionados a documentos obrigatórios para o transporte e o armazenamento de matérias-primas, produtos e subprodutos florestais, como o Documento de Origem Florestal (DOF) e a Guia Florestal (GF).

A ideia era cruzar essas informações com as áreas de exploração madeireira apontadas por imagens de satélite e verificar as ilegalidades. “No entanto, devido a essa falta de transparência e de acesso aos dados completos, foi impossível diferenciar o que foi explorado ilegalmente daquilo que foi extraído de forma legal”, explicou Silgueiro.

O coordenador de Inteligência Territorial do ICV, Vinícius Silgueiro, aponta que é preciso haver uma blindagem contra fraudes documentais (Frame de entrevista para a Revista Cenarium/Reprodução)

O especialista do ICV reforça a importância de que os dados, que são públicos, estejam abertos a toda a sociedade, uma vez que “a transparência e o acesso à informação são condições fundamentais para a promoção da legalidade e da sustentabilidade no setor florestal madeireiro“.

Nova fronteira

Além de apontar que o fornecimento de informações adequadas é uma deficiência para os nove Estados integrantes da maior floresta tropical do planeta, os especialistas da Rede Simex revelam que uma nova fronteira do desmatamento está se erguendo na região central da Amazônia e que, sem dados exatos sobre a extração, cenas de derrubada de mata nativa devem se tornar cada vez mais frequentes.

“Observamos que esse avanço tem se aproximado em áreas mais conservadas como as do norte do Pará, onde há blocos maiores de áreas protegidas. Essa pressão acaba ameaçando, diretamente, a vida de comunidades e povos tradicionais”, detalhou o pesquisador do Imazon, Dalton Cardoso. 

Veja como a fronteira do desmatamento está migrando para a zona central da Floresta Amazônica (Reprodução/Imazon)

O surgimento de novas áreas agrícolas tem se alastrado, especialmente, pelo oeste do Pará, sul do Amazonas e noroeste de Mato Grosso e Acre. “Uma nova fronteira que tem migrado de maneira gradativa“, segundo Cardoso. 

O pesquisador do Imazon, Dalton Cardoso, vê o estudo como importante para frear as atividades ilegais em áreas protegidas da Amazônia (Reprodução/Imazon)

Os piores em transparência

Acre, Amapá e Maranhão tiveram as piores avaliações, porque não apresentaram o Documento de Origem Florestal e as Guias Florestais. Amazonas, Rondônia, Roraima e Tocantins até tinham as autorizações, mas não dispunham de informações atualizadas. Pará e Mato Grosso foram os que pontuaram melhor, mas ainda assim, não tinham todos os dados completos. 

Para o pesquisador Dalton Cardoso, um interessante aspecto apresentado por este estudo “é a importância dos dados como insumos para qualificar debates e ajudar a combater o avanço de atividades ilegais e predatórias em áreas protegidas“.

Como reverter o cenário?

Outra adversidade enfrentada na Amazônia, além da baixa transparência, segundo o estudo da Rede Simex, é a falta de blindagem contra fraudes documentais. Uma alternativa seria apostar em rastreabilidade como solução; uma forma de impedir a comercialização de madeira irregular. Mas, antes disso, é preciso aprimorar os níveis de transparência, o que inclui, de acordo com Vinicius Silgueiro, “a disponibilização pública, integral e em tempo real, de dados relacionados à autorização, exploração, transporte e fiscalização da madeira”. 

“Com isso, será possível, a toda a sociedade, aos empresários, e aos consumidores nacionais e internacionais garantirem a origem legal e sustentável da madeira produzida na Amazônia Legal Brasileira”, acrescentou o coordenador de Inteligência Territorial.

Também é possível virar o jogo transformando o setor madeireiro em um comércio mais sustentável e ecológico, como explica à CENARIUM a pesquisadora do Idesam, Tayane Carvalho. 

“Existem diversas formas de se fazer isso”, diz ela. “Uma delas é atrelar atividades madeireiras à bioeconomia, ou seja, investir na exploração dos produtos florestais não madeireiros. Porque, assim, é possível gerar renda por meio da floresta em pé. No Brasil, esse setor gera lucro de quase R$ 2 bilhões por ano”, detalhou.

A pesquisadora do Idesam, Tayane Carvalho, aposta na bioeconomia para reverter o cenário negativo (Reprodução/Assessoria)

“Outra solução é aumentar a quantidade de espécies [de árvores] exploráveis. Na Amazônia, a gente tem cerca de 350 espécies que podem ser comercializáveis, mas a gente ainda comercializa um grupo muito pequeno, que tem um alto valor e que acaba pressionando, ecologicamente falando. Ou seja, aumentaríamos a rentabilidade e a competitividade do setor florestal madeireiro“, finalizou a pesquisadora do Instituto de Conservação e Desenvolvimento Sustentável da Amazônia.  

O que dizem os Estados

A reportagem da REVISTA CENARIUM pediu esclarecimentos de todos os Estados da Amazônia Legal, em relação aos dados apresentados pelo estudo das organizações não governamentais. A maioria deles, respondeu.

Acre

O governo do Acre – Estado com a pior avaliação em transparência  – respondeu, por meio de nota do Instituto de Meio Ambiente (Imac), que informa sobre o licenciamento de madeira para o plano de manejo e de áreas de desmate, utilizando o Sistema Nacional da Origem dos Produtos Florestais (Sinaflor), gerenciado pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). 

Amazonas

A Secretaria de Estado do Meio Ambiente do Amazonas (Sema) disse que realiza o monitoramento de extração de madeira para “autoabastecimento de populações tradicionais e pequenos produtores rurais” e que as ações de fiscalização e monitoramento são realizadas pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam).

“A Sema realiza a gestão de 42 Unidades de Conservação (UCs), dentre elas, 8 são de Proteção Integral e 34 de Uso Sustentável, totalizando 18.907.378,34 hectares de floresta legalmente protegidos. Dentro das UCs existem 26.431 famílias em 1.030 comunidades que recebem suporte da Sema com capacitação, educação ambiental, projetos, entre outras iniciativas que visam a conservação do meio ambiente e a valorização dessas comunidades”, detalhou em nota. 

Pará

Também, por meio de nota, a Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) do governo do Pará informou que 70% do território estadual pertence à jurisdição federal, mas que tenta, desde 2020, implementar um novo modelo sustentável e que, “nestes 24 meses, foram embargadas mais de 294 mil hectares de terras onde eram realizadas atividades ilegais que causavam degradação ambiental“.

O governo também alega ter apreendido mais de 6 mil unidades de madeiras em estaca e 365 motosserras. Diz ainda que inutilizou 138 maquinários, que destruiu mais de 120 acampamentos de invasores e interditou 65 garimpos ilegais. 

Maranhão

Já o governo do Maranhão alegou que monitora, por meio da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Sema), áreas com indícios de desmatamento em propriedades rurais, “com ação estratégica para o combate e controle ao desmatamento”, tendo como base, entre outros sistemas, o Cadastro Ambiental Rural (CAR). 

O governo estadual diz também que disponibiliza informações referentes ao monitoramento das explorações florestais no Portal da Transparência da Sema.

Mato Grosso

Diferente dos outros Estados, o governo de Mato Grosso comemorou a liderança do ranking em transparência entre os nove Estados da Amazônia. Disse que os dados de Gestão Florestal “estão públicos para serem acessados e baixados” no Portal da Transparência da Secretaria de Meio Ambiente da (Sema-MT).

“A Sema-MT tem um acordo de cooperação técnica com o Imaflora, um dos institutos que fazem parte do estudo publicado de fornecimento de dados para identificar o fluxo de madeira entre diferentes municípios, como forma de aprimorar ainda mais o monitoramento e a transparência. Um levantamento do Instituto Centro de Vida (ICV), outra ONG envolvida no estudo, mostra que a Sema-MT tem 90% das respostas satisfatórias a pedidos de informações por meio da Lei de Acesso à Informação”, destacou em nota.

Rondônia

A Secretaria de Estado do Desenvolvimento Ambiental de Rondônia (Sedam-RO) foi a única a responder com uma nota técnica. Nela, o governo explica que iniciou, em 2019, a utilização no Sinaflor. E afirmou, também, que publica as informações no Portal da Transparência da Sedam-RO. Ainda assim, reconheceu as falhas. 

“Quanto à exploração florestal ilegal, relatamos a impossibilidade de realizar a quantificação e qualificação de madeira explorada de forma irregular, pelo fato de não existir metodologia para obtenção desses dados de forma fidedigna. O que possuímos são as informações referentes ao quantitativo e qualitativo de madeira apreendida, que não possuem sua origem comprovada” esclareceu por fim.

Sem retorno

Os governos estaduais de Amapá, Roraima e Tocantins não responderam aos questionamentos da CENARIUM até o fechamento desta reportagem.