20 de abril de 2023
20:04
Iury Lima – Da Agência Amazônia
VILHENA (RO) – Brasileiros continuam morrendo e, com cada vez mais frequência, em conflitos agrários de Norte a Sul do Brasil, de acordo com uma série de levantamentos anuais feitos pela Comissão Pastoral da Terra (CPT). Só em 2022, 47 pessoas perderam a vida em fazendas, assentamentos ou até mesmo em reservas e Terras Indígenas (TIs): 30% mais que no ano anterior. Além disso, os dados da pastoral, divulgados nesta semana, colocam o território da Amazônia Legal na liderança das ocorrências de assassinato: 70,21% das mortes violentas ocorreram nos Estados da região.
Para chegar aos indicadores de violência no espaço agrário, a CPT relaciona o total de ocorrências com os três principais motivos de conflitos: terra, água e trabalho. Rondônia foi o único Estado brasileiro com registro de ocorrências em todas essas categorias e, empatado com o Maranhão, teve o maior número de mortes.
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Com 7 vítimas cada, os dois Estados concentram mais de 40% dos assassinatos cometidos na Amazônia brasileira, somente no ano passado, segundo o Caderno de Conflitos no Campo 2022.
“Esses dados apresentaram, em especial, para a Região Amazônica, que a natureza perversa do agronegócio, com expansão violenta, se mantém como uma sistemática constante”, explica o assessor jurídico da Comissão Pastoral da Terra, em Rondônia, Wellington Lamburgini.
Além de Rondônia ter registrado, proporcionalmente, o maior número de assassinatos em relação aos demais Estados brasileiros, como também aponta Lamburgini, só nos últimos cinco anos, o Estado acumulou 26 mortes violentas no campo. Entre essas vítimas está o líder e ativista indígena Ari Uru-Eu-Wau-Wau, morto há exatos três anos, por denunciar extração ilegal de madeira no território do povo dele, a Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau.
Mortes no campo em Rondônia, nos últimos 5 anos:
Ano | Total de vítimas |
2018 | 6 |
2019 | 1 |
2020 | 1 |
2021 | 11 |
Além dos indígenas, desde 2018, as vítimas em Rondônia têm sido pessoas sem-terra, posseiros de terras, assentados e até trabalhadores assalariados. Já os locais de conflito são os mais diversos: de fazendas a reservas ambientais.
Já em todo o País, as ameaças de morte aumentaram 43%, enquanto as tentativas de homicídio saltaram 272% em relação a 2021. Com isso, os sujeitos mais impactados por essa violência continuam sendo:
- indígenas: 28,07%
- posseiros: 19,67%
- quilombolas: 16,07%
- sem-terra: 11,33%
O estudo aponta como os principais sujeitos causadores de conflitos, fazendeiros (23,06%), governo federal (16%) e os empresários (13,80%).
“Em especial, em 2022, registramos uma elevação dos atentados, das violências cometidas contra os povos indígenas. Nesse sentido, os dados trazidos pela CPT conclamam a sociedade brasileira para a urgência da resolução da questão agrária. Ainda temos um problema agrário para se resolver no Brasil”, lamentou o assessor jurídico da CPT-RO.
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Série histórica
A Comissão Pastoral da Terra monitora o avanço da violência no campo desde 1985. Nesses quase 40 anos, houve um verdadeiro massacre: 59 conflitos que resultaram na morte de mais de 300 pessoas. Pará, Rondônia e Roraima, justamente na Região Amazônica, lideram em número de vítimas e de conflitos desde meados dos anos 1980.
Estados líderes em mortes e conflitos no campo desde 1985:
Estado | Total de vítimas | Total de conflitos |
Pará | 155 | 30 |
Rondônia | 40 | 9 |
Roraima | 33 | 5 |
Casos emblemáticos integram esses números: o indigenista licenciado da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Bruno Araújo Pereira, e o jornalista britânico Dominic Mark Phillips (Dom Phillips), que o acompanhava pelo Vale do Javari, no Amazonas, cruelmente assassinados por pescadores ilegais, em junho do ano passado, também estão nessas estatísticas.
Ferida aberta
A CPT-RO ressalta que a maior parte dos assassinatos ocorridos em Rondônia se deram numa região hoje conhecida como Zona de Desenvolvimento Sustentável Abunã-Madeira, anteriormente denominada Amacro, área de fronteira agrícola entre o sul do Amazonas, leste do Acre e noroeste de Rondônia. Para a pastoral, o projeto pautado pelo agronegócio “manipulou, mais uma vez, a máquina pública e o Estado para favorecer interesses próprios”.
“Mascarado pelo discurso de valorização da bioeconomia, mas que, na verdade, se caracterizava pelo aumento de mortes, desmatamento e queimadas, a partir da valorização da economia da morte”, critica a Comissão Pastoral da Terra Regional de Rondônia.
À REVISTA CENARIUM, Roberto Ossak, membro da coordenação colegiada da CPT-RO, avalia que “o Estado do Amazonas também tem registrado um número expressivo de violência no campo, que não se apresentava anteriormente”.
“Esse registro de violência contra a pessoa, contra os povos e os territórios das comunidades, na Região Amazônica, é o avanço do agronegócio, que vem se expandindo nessa região de forma agressiva e violenta, contra as comunidades e contra os povos”, analisou Ossak.
Faltam soluções
Já Wellington Lamburgini destaca que os dados apresentados pela CPT, à sociedade brasileira, há quase quatro décadas, “evidenciam que o campo brasileiro carece de uma resposta efetiva e que demanda, com urgência, do Estado brasileiro, uma resposta eficiente para as demandas dos territórios, seja regularização fundiária, seja reforma agrária, determinação constitucional ainda não cumprida pelo Estado, e que a sua omissão causa morte e sofrimento”, comentou.
“O sangue que se derrama no campo brasileiro é o sangue da ganância da expansão do lucro sobre os territórios, sobre a natureza, trazendo morte e destruição em nome do lucro e desrespeitando os direitos tradicionais”, concluiu Lamburgini.