06 de outubro de 2023
15:10
Por Paula Litaiff*
MANAUS (AM) – “Culpada”, “inimiga”, praticante de “política vesga” e dedo indicador apontado no rosto. É assim que a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, vem sendo abordada, “institucionalmente”, por parlamentares do Amazonas, nas últimas duas semanas, para tratar das obras da BR-319 (que liga Manaus a Porto Velho), mas a depender do alinhamento político e do gênero de quem está do outro lado da mesa, os mesmos deputados e senadores abrandam a narrativa e a expressão corporal agressiva dá lugar ao afago e recolhimento.
O termo “tigrão” – que está no título deste texto – foi usado pelo deputado Zeca Dirceu (PT-PR), em 2019, para dizer que o então ministro da Economia Paulo Guedes agia como “tigrão” em relação a aposentados, idosos e Pessoas com Deficiência (PCDs), mas como “tchutchuca” com a “turma mais privilegiada do País”. Em 2022, o youtuber Wilker Leão chamou Jair Bolsonaro de “Tchutchuca do Centrão”, numa coletiva de imprensa e viralizou. Considerada um termo que estereotipa a mulher subserviente, a palavra “tchutchuca” é usada para mostrar a seletividade de discursos na política.
Concluída em 1973, a BR-319 – que tem 877 quilômetros – foi trafegável por 15 anos. A partir de 1988, a rodovia começou a apresentar desmoronamento, principalmente, no trecho do meio. A estrada possui “argissolos”, que são formados por argila e fragmentação arenosa, que podem resultar em barro e lama. De lá para cá, há um impasse ambiental em decorrência das condições naturais da estrada e dos povos que vivem próximos à rodovia que foram usados politicamente.
Dos 35 anos em que a BR-319 está intrafegável, menos de seis anos, Marina Silva estava à frente da pasta do Meio Ambiente. Nos dois governos iniciais do presidente Luiz Inácio da Silva, no qual a ministra ficou de 2003 a 2008 e, neste ano, quando ela fez dez meses no ministério. Marina defende que a liberação ambiental da BR-319 deve ser dada sob o viés técnico e não político.
Primeiro a atacar Marina Silva no Congresso, usando o argumento da BR-319, o senador Omar Aziz (PSD/AM), é, há quase 20 anos, um agente público com poder de articulação de obras de infraestrutura. Ele foi vice-governador por sete anos, governador por quatro anos e, há nove anos, é senador pelo Amazonas.
No último dia 26 de setembro, Omar declarou que “se algum amazonense passar fome a culpa era de Marina Silva” pela não liberação da BR-319. O senador também disse que “condenava” a ministra pela não realização da rodovia que está há mais de três décadas paralisada. O discurso de Aziz foi reproduzido por mais de 20 portais de notícias de Manaus de forma orquestrada.
‘Faz favor, ministro’
Diferentemente da agressividade verbal usada para Marina Silva, o senador Omar Aziz, que fazia oposição ao Governo Bolsonaro, em 2021, pediu para o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra, à época, conversar com o então ministro de Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, hoje, governador de São Paulo, para fazer a BR-319, conforme matéria publicada no site BNC.
No texto, é atribuído a Omar Aziz a fala para o senador Fernando Bezerra, na qual ele diz: “Faz um favor para mim. Na próxima conversa que Vossa Excelência estiver com o ministro Tarcísio pede para ele [o ministro] fazer a BR-319, que todo mundo já foi lá e prometeu e não fez um metro ainda. Por favor”.
Um ano antes, 2020, Aziz reconhecia a complexidade da obra na rodovia BR-319 e dizia que não tinha sido procurado pelo ministro de Infraestrutura para falar sobre o assunto, com o Governo Bolsonaro fazendo quase dois anos de vigência, segundo o site BNC.
Não há informações públicas de que Omar Aziz tenha procurado ou atacado o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, no Governo Bolsonaro, sobre o licenciamento da BR-319. Ao contrário de Marina Silva, Salles defendia passar medidas “infralegais” para flexibilizar liberações ambientais, cujo discurso foi feito em meio à pandemia, com milhares de pessoas morrendo todos os dias. Salles pediu exoneração após suspeita de envolvimento em extração ilegal de madeira.
Sensibilidade x capacitismo
Assim como Omar Aziz, o senador Eduardo Braga (MDB-AM) também muda a forma de tratamento para cobrar a BR-319 quando são homens que estão do outro lado da mesa. Ele tem histórico de comunicação violenta, principalmente, com mulheres, na política. Um dos exemplos foi a forma como ele cobrou a ministra da Secretaria do Governo Bolsonaro, Flávia Arruda, quando gritou com ela ao telefone para liberar emendas parlamentares em 2021.
Já com ministros homens, Braga muda o tom da voz e a estratégia de convencimento sobre a importância de ações para o Amazonas. No Governo Bolsonaro, não há informações públicas de que ele se indispôs com o ministro de Meio Ambiente sobre a BR-319. Com Tarcísio de Freitas, Braga usava a “tática da sensibilização”.
Em 2019, Eduardo Braga levou um vídeo até Tarcísio para convencê-lo sobre a importância da rodovia que liga o Amazonas a Rondônia. A ideia do senador, que mandou sua assessoria percorrer quase 700 quilômetros, de Manaus ao município de Humaitá, era mostrar a Freitas, detalhadamente, cada dificuldade de trafegar na rodovia, segundo o site BNC.
Neste ano, Braga não interpelou, agressivamente, o ministro de Infraestrutura, Renan Filho, que é do mesmo partido dele, o MDB, sobre a BR-319. A “metralhadora” de Braga foi apontada para a questão ambiental, de responsabilidade da ministra Marina Silva. No discurso, o senador usou um termo capacitista ao atribuir o imbróglio da rodovia a uma “política vesga”.
“A única rodovia federal que liga a capital amazonense a Porto Velho (RO) e ao resto do Brasil permanece intransitável, sem receber as obras necessárias, em razão da “política vesga” de alguns que impõem uma série de entraves burocráticos, principalmente, na seara ambiental”, declarou o senador Eduardo Braga.
Agressivo x recolhido
O deputado estadual do Amazonas, Sinésio Campos (PT), também cresce o discurso e o tamanho, quando vai debater a importância da BR-319 com uma mulher. Nesta quarta-feira, 4, ele impôs o dedo indicador no rosto de Marina Silva, quando ela visitava Manaus na comitiva presidencial de acompanhamento da seca no Amazonas.
A imagem de Sinésio subindo o ombro com uma expressão corporal agressiva para cima da ministra foi publicada no site BNC e políticos que acompanhavam o grupo confirmaram à CENARIUM que ele confrontava Marina sobre decisões técnicas de impacto ambiental na rodovia. Procurado, Sinésio não quis comentar o caso.
Há quatro anos, o mesmo deputado apresentava uma expressão corporal tímida e recolhida ao abordar a BR-319 com o diretor do Departamento de Navegação e Hidrovia do Ministério da Infraestrutura, Dino Antunes Batista, em Brasília, em um encontro solicitado por ele e outros parlamentares do Amazonas, no qual o ex-ministro Tarcísio de Freita não compareceu, conforme matéria do site Estado Político.
Ataque x afago
Aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, o deputado federal Alberto Neto (PL/AM) tem um discurso agressivo ao abordar a BR-319 com a ministra Marina Silva. Nas redes sociais do deputado, ele chamou Marina de “Inimiga do Norte” ao cobrar a BR-319, mas não foi claro nos argumentos técnicos ambientais e nem trouxe documentação que provasse que a ministra emperrava a estrada em menos de dez meses da segunda gestão à frente do Ministério de Meio Ambiente (MMA).
Com a narrativa usada pela extrema-direita para chamar a atenção de internautas em discursos prontos e sem fundamentação técnica, Alberto Neto disse que: “O povo do Norte não é um povo de segunda categoria. Nós queremos respeito, queremos investimentos e infraestrutura. Marina Silva é inimiga da BR-319”, declarou Alberto.
Em 2020, a raiva na fala de Alberto Neto sobre os argumentos da BR-319 era substituída por um olhar carinhoso e um sorriso no rosto em reunião com Jair Bolsonaro e o ministro Tarcísio de Freitas, mesmo a gestão federal não dando retorno sobre as obras da rodovia após dois anos. A reunião foi registrada no site Direto ao Ponto.
Na matéria consta que o deputado Alberto Neto tinha “alinhado pessoalmente com o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, que garantiu que o lote C da rodovia também será licitado, pois está seguindo todas as diretrizes de responsabilidade ambiental”. O alinhamento foi concretizado só no fim de 2022 e Alberto nunca confrontou os amigos do governo sobre a demora.
Alberto Neto também não interpelou, publicamente, o ex-vice-presidente Hamilton Mourão sobre a promessa de “comer a própria boina”, caso a recuperação da rodovia não saísse no Governo Bolsonaro (2019-2022). Nessa relação masculina, Alberto sempre usou de muito afago com Hamilton Mourão e os colegas bolsonaristas para tratar da BR-319.