Brasil lidera entre as nações que mais matam ativistas ambientais; São 342 assassinatos em 10 anos

Protesto para pedir justiça ao governo federal pelos assassinatos de Dom Phillips e Bruno Pereira, em junho de 2022, em Brasília (Andressa Anholete/Getty Images)

01 de outubro de 2022

19:10

Karol Rocha – Da Agência Amazônia

MANAUS – Ao longo de uma década, o Brasil registrou 342 assassinatos de ativistas ambientais entre os anos de 2012 e 2021. O levantamento realizado pelo Global Witness e divulgado na quinta-feira, 29, chama atenção porque o País lidera o ranking de nações que mais mata os defensores do meio ambiente. Ao todo, a pesquisa descobriu que 1.733 pessoas foram assassinadas nos últimos dez anos por defenderem a terra e o meio ambiente.

Conforme o levantamento, cerca de um terço dos mortos no Brasil, ao longo dos dez anos, foram de indígenas ou afrodescendentes, e mais de 85% dos assassinatos aconteceram na Amazônia Brasileira.

Ainda segundo a pesquisa, o conflito por direitos à terra e à floresta é o principal motivo de assassinatos de defensores no Brasil, sendo a Floresta Amazônica a fronteira da luta pelos direitos indígenas e ambientais. O levantamento não deixou de destacar que o cenário de batalhas por terras e recursos se intensificou após a eleição do presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, em 2018.

“No geral, o que testemunhamos nestes anos é o aumento da violência que segue o crescimento de crimes ambientais. Além disso, a cultura do ódio, do ressentimento, do negacionismo e do desrespeito aos direitos dos povos indígenas, quilombolas e agroextrativistas contribui para o florescimento de conflitos socioambientais que acabam culminando para este triste e trágico cenário”, explicou o ambientalista Carlos Durigan.

Ainda sobre o atual governo, o estudo afirmou que desde a chegada de Bolsonaro ao poder, o presidente da República encorajou a extração ilegal de madeira e mineração, “desfez a proteção dos direitos da terra indígena, atacou grupos de conservação e desmantelou e cortou os orçamentos e recursos das agências de proteção florestal e indígena”. O levantamento apontou os problemas e atribuiu o pouco esforço do governo federal às invasões de áreas indígenas e de conservação por “gangues criminosas”.

O líder indígena Beto Marubo, integrante da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), apontou as principais razões para a quantidade de assassinatos em território brasileiro.

“O Brasil é um País que detém a maior quantidade de áreas ainda com coberturas vegetais intactas e, naturalmente, com o aumento das frentes econômicas, sobretudo, relacionadas ao agronegócio, ao roubo de terras públicas, ao garimpo em áreas protegidas, conciliado com o total sucateamento das instituições públicas, os ambientalistas e indígenas passam a estar bastante vulneráveis nesse contexto”, disse o indígena.

Em segundo lugar, o País que mais assassinou ambientalistas foi a Colômbia, que registrou 322 óbitos seguidos de Filipinas, com 270 mortes em dez anos.

Dados de 2021

Só em 2021, 200 defensores da terra e do meio ambiente foram mortos. No ano passado, o México foi o País com o maior número registrado de assassinatos, com defensores mortos todos os meses, totalizando 54 mortes. O levantamento foi realizado entre 1° de janeiro de 2021 e 31 de dezembro de 2021.

Em terceira posição, o Brasil registrou 26 mortes. Conforme a Global Witness, mais de três quartos dos ataques registrados ocorreram na América Latina, sendo 78% dos ataques ocorridos na Amazônia.

“Quando falamos de questões socioambientais, conflitos de interesses sempre existirão, mas isso não deveria justificar o crescimento da violência e de mortes. Precisamos de políticas públicas que promovam, de fato, a defesa dos direitos, assim como da proteção do nosso patrimônio natural, e que ações mais fortes sejam empreendidas contra criminosos”, ressaltou Durigan.

Bruno Pereira e Dom Phillips

Em junho de 2022, o jornalista britânico Dom Phillips e o indigenista Bruno Pereira foram brutalmente assassinados na região do Vale do Javari, nas proximidades de Atalaia do Norte, na Amazônia Brasileira.

O líder indígena Beto Marubo, integrante da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja), tinha uma relação de amizade e trabalhava ao lado dos dois profissionais. Em entrevista à AGÊNCIA AMAZAÔNIA, ele revelou as inúmeras ameaças na região.

“A meu ver, os principais motivos para essas mortes têm como base o que aconteceu na minha terra. Um indigenista com atuação muito pró à proteção ambiental, sobretudo, aos territórios de indígenas isolados e um jornalista, que cobria as questões ambientais na Amazônia, morreram por exporem os retrocessos, os crimes ambientais, em âmbito nacional e internacional, o que causou descontentamento às pessoas que sobrevivem dos crimes ambientais, sobretudo, nesse contexto atual do Brasil em que vivemos”, disse Marubo.

Dom Phillips e Bruno Pereira (Thiago Alencar/CENARIUM)

Bruno Pereira, de 41 anos, estava licenciado da Fundação Nacional do Índio (Funai) e estava ajudando o inglês Dominic Phillips, de 57 anos, colaborador do jornal “The Guardian”, em um projeto na Amazônia. O indigenista e o jornalista desapareceram no Vale do Javari, no Amazonas, ao realizarem um percurso entre a comunidade ribeirinha São Rafael à cidade de Atalaia do Norte, no interior do Estado.

Em entrevista, Marubo também apontou as possíveis soluções para o problema na Região Amazônica. As sugestões foram para o próximo governo brasileiro, que deve assumir a partir de 2023.

Líder indígena Beto Marubo, integrante da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) (Divulgação)

“Eu acho que o próximo governo deve montar um gabinete situacional onde haja uma inteligência, uma atuação concêntrica de todos os órgãos, tanto de segurança como ambientais. E onde não há o poder de império do Estado, como o caso da Funai, ela precisa ser adaptada. O órgão precisa ter o poder de polícia dele regulamentado, precisa ter os mesmos aparatos estruturais e administrativos do Ibama para multar, para prender, para portar arma no seu trabalho finalístico de proteção às terras indígenas”, afirmou ele, que ressalta a fundamental atuação da Funai em terras de indígenas isolados.

Global Witness

A pesquisa sobre os assassinatos e desaparecimentos forçados de defensores da terra e do meio ambiente, divulgada na quinta-feira, 29, foi levantada entre 1° de janeiro de 2021 e 31 de dezembro do mesmo ano. A Campanha Global Witness Land and Environmental Defenders visa parar a ampla gama de ameaças e ataques que os defensores da terra, do meio ambiente e suas comunidades enfrentam.

O estudo define os defensores da terra e do meio ambiente como pessoas que se posicionam e realizam ações pacíficas contra a exploração injusta, discriminatória, corrupta ou prejudicial dos recursos naturais, ou do meio ambiente. Os defensores da terra e do meio ambiente são um tipo específico de defensores dos direitos humanos – e, muitas vezes, são os mais visados ​​por seu trabalho.

Os defensores, geralmente, vivem em comunidades cuja terra, saúde e meios de subsistência estão ameaçados pelas operações de mineração, extração de madeira, empresas de agronegócios ou outras indústrias. A Global Witness produz o relatório anual de defensores da terra e do meio ambiente assassinados desde 2012. Veja relatório completo neste link.