Deputada do RJ culpa esquerda por ‘descaracterização’ do Festival de Parintins

A deputada estadual pelo Rio de Janeiro Amanda Armelau (Reprodução/Redes sociais)

05 de julho de 2023

13:07

Marcela Leiros – Da Agência Amazônia

MANAUS – A amazonense e deputada estadual do Rio de Janeiro Amanda Armelau (PL), conhecida como “Índia Armelau“, culpou a esquerda por descaracterizar o Festival de Parintins, no Amazonas, com a inclusão de pautas LGBTQIAPN+ e da população negra no evento. Em um vídeo publicado nas plataformas de rede social Instagram e TikTok nessa terça-feira, 4, a deputada afirmou que os organizadores “lacram por like“. A sigla LGBTQIAPN+ abrange pessoas que são Lésbicas, Gays, Bi, Trans, Queer/Questionando, Intersexo, Assexuais/Arromânticas/Agênero, Pan/Poli, Não-binárias e mais.

Veja o vídeo:

Armelau esteve no evento, que tem duração de três dias (sexta, sábado e domingo) e acontece no município de Parintins, a 369 quilômetros de Manaus, com a disputa entre os bois-bumbás Garantido (vermelho e branco) e Caprichoso (azul e branco). Ela afirmou ser torcedora do primeiro bumbá e disse que o vídeo se direcionava, especialmente, aos “defensores do PT (Partido dos Trabalhadores) e suas ideologias ‘nevastas’”.

A esquerda conseguiu chegar nesse festival. Cara, ‘cês’ não ‘tão’ entendendo, os dois primeiros dias de show foram os dois primeiros dias falando de ‘LGBTQIA’, ‘cês’ não ‘tão’ entendendo”, disse ela. “Sim, meu anjo, as cores ao invés de ser vermelho e branco, que são as nossas cores, do pajé, da porta-estandarte, do raio que o parta, estavam a cores do LGBTQIA+, do nada apareceu uma música com Marielle Franco“, diz a deputada no vídeo.

Na segunda noite de apresentação, com o título “Nosso povo é mistura, isso faz do Garantido o que ele é!”, o Boi Garantido desenvolveu o subtema “Eu sou porque nós somos”, celebrando a diversidade dos povos da Amazônia formado por negros, indígenas, LGBTQIAPN+, mulheres, caboclos, mestiços e ribeirinhos. Uma das toadas, música típica do evento, cantadas foi “Rosas Vermelhas”, que fala sobre a violência contra as mulheres e cita o nome da deputada assassinada Marielle Franco.

A porta-estandarte do Boi Garantido, Livia Christina, com indumentária nas cores da comunidade LGBTQIAPN+. (@ofotografodasestrelasbr)

Vocês têm ideia disso, do que é você estar no Festival Folclórico de Parintins e começarem com essa p**** de lacração de LGBTQIA+, mulheres, mulheres negras, vítimas, e etc? E pra fechar, no terceiro dia, ‘tava’ tudo tranquilão, eles simplesmente acho que bateram e falaram “vamos para tradição porque tá dando merda”, p***, estamos curtindo… Bandeira do Brasil vermelha, três, uma da outra. Parabéns, Garantido, parabéns, aos organizadores, que merda que vocês fizeram“, criticou.

Sem deixar claro a quem se referia, a deputada ainda afirmou, no vídeo, que “eles são reféns” do PT, o partido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, contando que um visitante do município chegou a falar que “estão na miséria porque votaram no partido de esquerda.”

Alguém falou ‘é por isso que estão na miséria, estão se ferrando porque votaram no PT, e eu vou falar para vocês o que eu falei para eles: ‘Infelizmente, eles são reféns’. Vocês realmente acham que o PT, com no mínimo 20 anos no poder, não poderia levar mais informação, mais comunicação para o interior do Norte e do Nordeste? Lógico que poderia, dinheiro tem. Só que se eles fizerem isso, eles não vão conseguir mais manipular as pessoas“, acrescentou ainda.

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Representatividade

O jornalista, professor e doutor em Sociedade e Cultura na Amazônia, autor do livro “Boi-Bumbá: Evolução”, Allan Rodrigues, cita o historiador Luís da Câmara Cascudo, lembrando que o folclore se transforma ao longo do tempo. Ele explica, ainda, que a cultura popular emerge das comunidades formadas justamente pelas minorias, logo, é essencial que sejam lembradas e homenageadas.

As manifestações da cultura popular refletem os anseios das suas comunidades de referência. Os elementos que permanecem ou que perdem espaço são aqueles que são aceitos ou não pelas comunidades“, afirma. “O Boi de Parintins emerge de comunidades formadas por negros, indígenas, LGBTQIAP+, mulheres e outros grupos sociais. Logo, as apresentações naturalmente visibilizam essas pessoas, seus anseios e lutas. A cultura popular não é festa pela festa, mas verdadeiros ensaios para uma sociedade mais justa e de paz“.

A advogada especialista em Direitos Humanos Luciana Santos afirma que a deputada tenta fazer uma disputa de narrativa utilizando o “estilo já tradicional de seu grupo político”, o Partido Liberal (PL) do ex-presidente Jair Bolsonaro, de ataque a grupos historicamente marginalizados, e esquece que a cultura significa representatividade.

A deputada esquece também que cultura é algo vivo, tanto que o boi de Parintins nasce do Bumba meu Boi, do Maranhão, e ganha elementos da nossa região. A opção por apresentar temas surge dessa identidade criada pelos bois, assim como aconteceu com as escolas de samba do Rio de Janeiro, que também foram se modificando ao longo da história e nem por isso romperam com a tradição“, conclui.

A REVISTA CENARIUM questionou a deputada estadual do Rio de Janeiro sobre as declarações, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.