Dia do Trabalhador: no Brasil, data representa luta por direitos e tem recorde de resgate de trabalhadores

Trabalhador resgatado em situação análoga à escravidão. (Divulgação/ MPT)

01 de maio de 2023

15:05

Ívina Garcia – Da Agência Amazônia

MANAUS – O reconhecimento de direitos e as reivindicações de melhores condições de trabalho foram os combustíveis para que o 1º de maio fosse escolhido como Dia do Trabalhador. A data, comemorada no Brasil desde o fim do século 19, reflete a luta pelos direitos básicos que são “feridos” até hoje. E os números mostram isso: em quase três meses de 2023, o País teve recorde de resgate de trabalhadores em situação análoga à escravidão. Foram 918, até o dia 20 de março.

A garantia de um trabalho digno, com direito a férias, pagamento justo e jornadas nos limites estabelecidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) são alguns dos pontos violados pela “escravidão moderna”. A luta por melhores condições de trabalho nas fábricas e em locais que demandam mão de obra humana ainda perduram.

Os dados dos resgates são do Ministério Público do Trabalho (MPT). O número foi o maior, para o período, nos últimos 15 anos. Desde que foram criados os grupos especializados de fiscalização, em 1995, mais de 60 mil pessoas foram resgatadas nestas condições até 2022.

Entre os Estados com maior número de resgatados estão Goiás e Rio Grande do Sul, não coincidentemente onde ocorreram as duas maiores operações contra trabalho análogo à escravidão neste ano, tendo como alvo vinícolas produtoras de vinho e lavouras e usinas de cana-de-açúcar. Foram resgatados 365 pessoas e 293 pessoas, respectivamente.

Local onde resgatados de condições análogas à escravidão dormiam em Goiás. (Inspeção do Trabalho)

O número de resgates só não supera o registrado em 2008, quando 1.456 pessoas foram encontradas em trabalhos degradantes no País. Grande parte dos trabalhadores são migrantes de outras regiões do Brasil ou de países fronteiriços.

Subnotificação

Os dados, porém, não refletem a real situação no País, isso porque, conforme consulta da REVISTA CENARIUM ao site da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae), há subnotificação de casos em Estados da região Norte e Nordeste. A falta de dados de resgate de pessoas não significa que os Estados não possuam casos.

Carregamento de piaçaba no Alto Rio Negro, no Amazonas. (Ricardo Oliveira/ Cenarium)

O trabalho análogo à escravidão é mais recorrente em fazendas, carvoarias, cana-de-açúcar e outras atividades rurais, conforme relatório divulgado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MPTE), em janeiro. A REVISTA CENARIUM esteve em carvoarias de Roraima nos meses de fevereiro e abril de 2023, e encontrou trabalhadores em condições vulneráveis. A reportagem entrou em contato com o Ministério Público Federal, que informou estar ativamente trabalhando para coibir a situação em todos os Estados do País.

Nas carvoarias de Roraima é possível identificar que há formas diferentes de exploração das encontradas nas vinícolas e fazendas, como o trabalho forçado, jornadas exaustivas, apropriação de documentos, proibição de saída do local de trabalho e outros. Segundo o relatório do MPTE, 2.575 pessoas foram resgatadas em 2022, sendo 87% situadas na zona rural. Entre as principais atividades estão: Cana-de-açúcar (362), Atividades de apoio à agricultura (273) e Produção de carvão vegetal (212).

Trabalhadores resgatados em trabalho análogo à escravidão, em Goiás. (Reprodução/ TV Anhanguera)
Privação de dignidade

O procurador-geral do Trabalho, José de Lima Pereira, explicou, durante a apresentação do relatório para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara, no dia 29 de março, que o trabalho escravo não é configurado apenas à privação de liberdade.

“Houve, por muito tempo, a ideia de que o trabalho escravo só existiria se houvesse perda da liberdade de ir e vir. É uma inverdade. O trabalho escravo ocorre quando se reduz a dignidade, torna-se servil de dívidas um trabalhador ou uma trabalhadora com jornadas exaustivas e degradação do ambiente de trabalho”, detalhou.

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Para o advogado Flávio Espírito Santo, o aumento nas apreensões está mais relacionado com a capacidade dos órgãos de identificar situações de abuso. “Não é só um aumento da fiscalização, mas também uma maior capacitação das pessoas envolvidas para identificar situações abusivas”, disse.

Ele explicou também que existem várias situações em que uma pessoa pode estar sendo submetida ao trabalho escravo moderno.

“Uma pessoa pode estar numa situação análoga à escravidão em razão do tratamento dispensado pelo patrão, que pode incluir agressões físicas e jornadas extenuantes, sem que haja controle da movimentação entre o local de trabalho e de descanso ou retenção dos valores que deveriam ser pagos e que, embora sejam as duas características mais comumente lembradas quando falamos em ‘trabalho escravo’, não são as únicas”, conta.