‘É extremamente prejudicial à saúde mental deles’, diz especialista sobre ‘tristeza e revolta insistente’ de bolsonaristas

A viagem de Jair Bolsonaro para os EUA teve um efeito emocional frustrante para manifestantes que não aceitam o resultado da última eleição para presidente do Brasil (Reprodução/BBC)

01 de janeiro de 2023

17:01

Mencius Melo – Da Agência Amazônia

MANAUS – Com a partida do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) para os EUA, apoiadores acampados nas portas de quartéis pelo Brasil afora passaram a manifestar desapontamento nas redes sociais. Os lamentos vão da “decepção” às palavras duras, quando não agressivas, com a “retirada” do capitão para a Flórida. A CENARIUM conversou com especialistas para saber sobre a saúde mental e emocional dos manifestantes que entraram em aparente “luto”, após a decisão de Bolsonaro em sair do País.

Em postagem no Twitter, militantes de Jair Bolsonaro alternavam entre ódio e tristeza por conta da partida dele para Miami, nos EUA (Reprodução/Redes Sociais)

Para o psicólogo Jônatas Costa, a tristeza e a revolta dos seguidores de Bolsonaro transita em meio ao luto. “É uma espécie de luto e isso é uma reação da mente humana para as perdas que temos ao longo da vida. Não acontece só quando perdemos um ente querido. Enlutamos quando perdemos um emprego, pelo fim de um relacionamento, na perda de bens, na perda de uma condição social. É uma reação normal da mente. Enlutamento faz parte, ainda mais quando fazemos projeções. Ninguém gosta de chegar ao fim”, observou.

Esse luto precisa ter um tempo, não pode ser perpétuo. O que acorre, agora, é um luto saudável. A gente vivencia a dor da perda. É a sensação de perda, de fracasso, de decepção. Vem a raiva, a frustração, a indignação, a revolta contra Deus. Vários sentimentos vão brotar e são normais, mas eles têm um tempo. Eles precisam ser digeridos e superados para a vida continuar. Esse tempo precisa ser determinado. E vem a realidade que nos dá a percepção que o luto tem de encerrar. A constatação de que é preciso fechar o ciclo de perda e retomar a vida“, detalhou.

Em sua live de despedida, Jair Bolsonaro chorou, lamentou e condenou qualquer tentativa de ato extremo para impedir a posse de Lula (Reprodução/Internet)

Abandono

Ainda segundo Jônatas Costa, a partida de Jair Bolsonaro foi um duro golpe emocional aos apoiadores. “A partida de Bolsonaro fez recair sobre eles a sensação de abandono e desamparo. O golpe, como pretendiam, não vai acontecer. A intervenção militar, como imaginavam, não vai acontecer. Não existe o ‘herói’. Não existe o representante. Não existe aquele que vai dar sentido ao que eles almejam, e isso vai gerar uma sensação de enlutamento“, esclareceu.

A questão é que esse sentimento já deveria ter acontecido em final de outubro, quando saiu o resultado das eleições. A questão é que muitos não aceitaram a realidade e postergaram esse luto, criando um mundo de possibilidades naquilo que não é real. Aqueles que aceitaram a derrota, acredito que estão seguindo suas vidas. Os que acreditaram em outra possibilidade, são semelhantes às esposas que não aceitam a morte do esposo e ficam na porta de casa esperando, num passe de mágica, a volta dele. O que, óbvio, não vai acontecer”, ilustrou.

Militante de Jair Bolsonaro chora após o resultado das eleições que deram a Lula o terceiro mandato como presidente eleito do Brasil (Reprodução/Metrópoles)

Para o especialista, o fato é preocupante, uma vez que é necessário passar e aceitar o luto da derrota para prosseguir a vida. “Essa tristeza e revolta insiste. Mesmo diante da verdade, irá se tornar um processo patológico agravado. O mais preocupante é que se isso for se perpetuando é um retardo do luto, porque o que eles desejam não vai se concretizar. É algo extremante prejudicial à saúde mental deles e de qualquer pessoa. Aceitar o luto da derrota é necessário, mas, a realidade é a nossa chave de mudança. Aceitar que teremos um novo presidente, outro projeto de governo, é necessário para a nossa saúde mental”, finalizou Jônatas Costa.

Ressaca

O antropólogo Alvatir Carolino tem uma visão coletiva sobre o momento emocional dos seguidores de Bolsonaro. Assim como Jônatas, ele também cita o luto, mas com um viés voltado para o que ele intitula de “ressaca”.

“Costumo dizer que a morte é o evento ritualístico mais importante da vida. Em nenhum outro você constrói laços de sociabilidade tão grandes quanto na morte. Então, olho as manifestações, agora, dos bolsonaristas e vejo o ‘luto’ muito mais como uma ressaca que logo, logo será ressignificada e essas pessoas continuarão em atividade, mesmo diante da partida de Bolsonaro para fora do País”, analisou.

Para o psicólogo Jônatas Costa, é preciso que eleitores inconformados de Bolsonaro superem e aceitem a derrota para que a vida siga seu caminho natural (Reprodução/Arquivo pessoal)

Essa indignação é momentânea, até porque a fala de Bolsonaro, feita hoje, deveria ter sido feita há dois meses, no dia da eleição. O que temos, hoje, é uma ressaca diante da postura do líder. Assim que ele emitir sinais, essas pessoas entrarão, novamente, em ação. Em breve, a saída dele será entendida como uma necessidade de segurança pessoal. Esses 20% de seguidores acham que podem expressar e praticar inúmeros absurdos sem punição alguma. Esse será o maior desafio do novo governo“, apontou Alvatir Carolino.

De acordo com o antropólogo, símbolos foram deixados para reacender a “coletividade golpista”. “Bolsonaro fez gestos para deixar a militância em prontidão. Ele foi para os EUA para aparentar uma articulação internacional para a extrema-direita ao poder no Brasil. Ao não passar a faixa, ele passa mensagem, aos bolsonaristas, de que continua presidente e sua volta ao poder, no Brasil, será questão de tempo”, observou. “Estão decepcionados, mas, logo estarão na ativa. Para eles, a esperança não acabou”, acredita Alvatir.

Acampados

Horas após a decolagem do avião que levou Jair Bolsonaro e família para os Estados Unidos, os manifestantes acampados na frente do Comando Militar da Amazônia (CMA), em Manaus, mantêm posição. Até o final da tarde desse sábado, 31, a estrutura montada contava com barracas, tendas, banheiros químicos e cozinhas improvisadas. Há menos de 24 horas para a posse do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva, os bolsonaristas não davam sinal de que vão desistir dos atos antidemocráticos.

A poucas horas da posse de Lula, os manifestantes antidemocráticos mantêm o acampamento montado em frente ao CMA
(Mencius Melo/CENARIUM)

Até a tarde desse sábado, 31, manifestantes de atos antidemocráticos continuavam acampados em frente ao CMA. Veja vídeo:

(Mencius Melo/ REVISTA CENARIUM)