Em Manaus, vazante impacta economia e turismo no Lago do Aleixo

Pescadores precisam arrastar barcos por pelo menos 15 minutos no meio da lama (Ricardo Oliveira/Agência Amazônia)

18 de outubro de 2022

15:10

Ívina Garcia – Da Agência Amazônia

MANAUS – “Na cheia é melhor, mas agora sem o turismo a gente se sustenta com o peixe e cobrando um real para o pessoal passar aqui, a gente se juntou e o dinheiro do dia fica com quem vigia a ponte”, diz Rui Avelino, que mora há 20 anos em um flutuante no Lago do Aleixo, localizado na zona Leste de Manaus, afetado pela vazante de 2022.

Localizado na divisa entre os bairros Colônia Antônio Aleixo e Comunidade Bela Vista, o Lago do Aleixo sofre com as consequências da vazante, com trechos que chegam, no máximo, a 40 centímetros de profundidade. Entre as principais atividades dos moradores dos bairros no entorno e dos donos de flutuantes estão o turismo e a pesca. Moradores da região informaram nesta terça-feira, 18, à CENARIUM, que o lago está localizado a 15 minutos de barco do cartão-postal mais famoso da cidade: o Encontro das Águas.

Lago do Aleixo divide a comunidade Bela Vista e o bairro Colônia Antônio Aleixo, em Manaus (Arte: Mateus Moura)

Em 18 de outubro de 2021, ano da cheia histórica, o nível do Rio Negro havia atingido 20,58 metros durante a vazante. Nesta terça-feira, 18, um ano depois, a seca já registra 17,19m, cerca de 3,39 metros a menos do que no último ano.

Com o rio cheio, o transporte dos moradores e turistas é feito pelos catraieiros, que tiram seu sustento diretamente o turismo e dos pequenos transportes. Agora, com a vazante, pequenas canoas não conseguem chegar até o local e a travessia de um bairro para o outro se torna impossível pelas águas.

O catraieiro Rui Avelino e outros trabalhadores são responsáveis pela construção de uma pequena ponte de madeira, que liga os bairros e ajuda no abastecimento de água e comida dos outros flutuantes do Lago do Aleixo.

Catraieiro Rui Avelino (Jander Oliveira/Agência Amazônia)

Assistência

Sem ajuda dos presidentes dos bairros ou da Secretaria Municipal de Infraestrutura de Manaus (Seminf), Rui e os companheiros resolveram construir a ponte ainda em julho, quando a vazante iniciou. Desde lá, o grupo de catraieiros cobra R$ 1 de quem passa pelo local, e dividem os lucros que antes vinham da travessia a barco.

“Eu, aqui, gastei uns R$ 600 de ripa e prego para fazer essa ponte, demorou uns dois dias para gente fazer e a mão de obra, correndo o risco de pegar uma ferrada de arraia e de meter o pé em prego e vidro que tem aí no rio, que as pessoas jogam”, explica Rui.

Sem colaboração dos moradores ou poder público, catraieiros constroem ponte e cobram R$1 pela travessia na ponte (Ricardo Oliveira/Agência Amazônia)

A reportagem entrou em contato com a Secretaria Municipal de Infraestrutura de Manaus (Seminf) para perguntar sobre as ações que devem ser aplicadas no local para ajudar os moradores, mas até o momento não obteve retorno.

Seca atinge Lago do Aleixo, localizado próximo ao Encontro das Águas, em Manaus (Ricardo Oliveira/Agência Amazônia)

Ponte

Na visão de Antônio Marcos, um dos catraieiros que também cuida do pedágio da ponte, a vazante de 2022 tem sido a pior até o momento. Morando há 50 anos no local, Antônio diz que está cansado de esperar pelo poder público. “A gente aqui não recebeu um benefício, um auxílio. Essa seca acontece todo ano e o governo sabe disso. Esse ano tá pior, mas nada acontece, eles não tomam uma atitude”, relata.

Pescadores precisam arrastar barcos por pelo menos 15 minutos no meio da lama (Ricardo Oliveira/Agência Amazônia)

Segundo o catraieiro, nas vazantes dos anos de 2021 e 2020, o Lago chegou a ficar com 1,5m de água, tornando possível ainda o trajeto de canoa em alguns trechos. Diferente do registrado este ano.

Infraestrutura

Sem acesso à água encanada e saneamento básico, os moradores do lago dependem de doações de igreja e ajuda dos moradores dos bairros no entorno. Antônio e Rui contam que há mais de um mês vivem a rotina de andar mais de dez minutos até a casa de um amigo para conseguir tomar banho e buscar água para beber.

Esse meu irmão busca [água] lá de cima da casa dele para nós bebermos, ele traz gelo que a gente compra dali e a gente vive assim. Para tomar banho, agora, a gente toma na bica do vizinho, subo o escadão e vou lá, mas quando o rio está cheio, eu tomava no rio mesmo”, explica Rui.

Flutuantes do Lago do Aleixo dependem do turismo e da pesca para o sustento (Ricardo Oliveira/Agência Amazônia)

Os pescadores também enfrentam uma caminhada de pelo menos 15 minutos da ponte de madeira até o local onde realizam a pesca. Muitos deles precisam puxar canoas e carregar sacos de alimentos pelo lamaçal, que em alguns trechos chega na altura do quadril.

Tem local ali que a lama pega na cintura, e a gente vem puxando até aqui com os peixes. A vazante é muito ruim por causa disso, a gente vem carregando desde lá longe até aqui, no sol”, conta Edinei Silva, um dos pescadores que mora no Colônia Antônio Aleixo.

Rio Negro está três metros mais baixo que vazante de 2021 (Ricardo Oliveira/Agência Amazônia)

A falta de infraestrutura e saneamento básico implicam na ausência de identificação dos donos de flutuantes da região, eles relatam que o Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística (IBGE), a Secretaria Municipal de Infraestrutura de Manaus (Seminf) e outros órgãos atravessam o lago sem dar voz a quem vive no local.

Esses governantes só sabem falar de saneamento básico, mas não querem fazer nada pelo povo, está cheio de esgoto que jogam as coisas dentro do lago. Uma vez eu fui fazer um cadastro e o cara queria o CEP da minha rua e eu disse ‘meu irmão, já viu flutuante ter CEP’?”.