Em RO, deputado diz que ex-governador ‘traiu’ ruralistas ao criar reservas ambientais

Delegado Camargo diz que criação de Unidades de Conservação foi uma "canetada inconsequente" de um "decreto criminoso" do ex-governador de Rondônia, Confúcio Moura (MDB) (Arte: Thiago Alencar/Agência Amazônia)

25 de abril de 2023

20:04

Iury Lima – Da Agência Amazônia

VILHENA (RO) – “Mentiroso e traidor”. Com essas palavras, o deputado estadual de Rondônia, Delegado Camargo (Republicanos), classificou o senador Confúcio Moura (MDB) por ter criado 11 Unidades de Conservação (UCs), no Estado, no fim do mandato como governador, em 2018.

As declarações feitas na última semana fazem parte do mais novo ato anti ambiental da Assembleia Legislativa de Rondônia (Ale-RO), que instalou uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar possíveis irregularidades no processo de criação das reservas ambientais e na venda de créditos de carbono.

“Mentiu e traiu todas essas famílias [que habitavam os territórios antes da criação das reservas], que acreditaram na sua conversa de apoiar o produtor rural”, afirmou o deputado na tribuna. “Confúcio Moura teve dois mandatos para resolver a situação desse povo e, no último momento, sem nenhum motivo aparente, jogou na lama a vida desses trabalhadores rurais”, continuou o parlamentar. Para ele, a existência das UCs é resultado de uma “canetada inconsequente”, do ex-governador.

Delegado de polícia civil, deputado de Rondônia se posiciona contrário à preservação ambiental no Estado (Reprodução/Ale-RO)

Nesta terça-feira, 25, durante a sessão da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Camargo voltou a condenar a delimitação de áreas destinadas à preservação de floresta nativa. Chamou a gestão Confúcio Moura de “desgoverno”, o classificou como “amiguinho de Lula” e afirmou que o político “destruiu o Estado, a saúde, a segurança pública e a cultura”.

Fez esse decreto criminoso criando reservas ambientais. Ele faz o que a esquerda mais sabe fazer: mentir e trair”, disse ainda Delegado Camargo.

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CPI

De acordo com os deputados, a preocupação é com a segurança jurídica das famílias que residem nessas regiões há mais de 20 anos, ou seja, desde antes de as áreas se tornaram reservas ambientais. 

Na primeira sessão, que ocorreu no último dia 12 de abril, os deputados Alex Redano (Republicanos), Jean Oliveira (MDB) e Pedro Fernandes (PTB) foram eleitos presidente, vice-presidente e relator da CPI, respectivamente. 

“É um pedido de dezenas de milhares de pessoas”, alegou o presidente da comissão, Alex Redano. Ele vê irregularidades na venda de créditos de carbono, devido ao valor das transações, que afirma ultrapassar os R$ 8 bilhões, comparando as negociações com a prática do escambo na época do Brasil colonial, sugerindo que o Estado está lesando famílias em suposta situação de vulnerabilidade, mas que, na maioria, são apontadas como grileiros de terras por especialistas na área ambiental. 

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Deputados Alex Redano, Jean Oliveira e Pedro Fernandes foram definidos presidente, vice-presidente e relator da CPI das UCs (Arte: Thiago Alencar/Agência Amazônia)

Discurso ultrapassado

“O que nós mais temos visto é o chamado eleitor verde. Uma mentira em escala planetária o desmatamento da Amazônia”, afirmou Delegado Camargo, que não faz parte da CPI mas a defende em todas as sessões da Casa de Leis. 

“Essa política verde que busca atrasar o desenvolvimento da nossa nação precisa ser muito bem observada com políticas públicas do próprio parlamento”, disse ainda o opositor à pauta ambiental. Camargo também revelou que viu “maldade” na criação das UCs, porque “Confúcio conhece a legislação e sabe da dificuldade de se reverter uma área decretada como reserva ambiental”.

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O ex-governador de Rondônia, atualmente senador pelo Estado, Confúcio Moura (MDB) (Reprodução/Senado Federal)

UCs na mira

Juntas, as 11 Unidades de Conservação alvos da Comissão Parlamentar de Inquérito somam 536.642 hectares de terra. Os territórios são assolados pelo desmatamento e outros crimes ambientais. Realidade parecida com a da Reserva Extrativista (Resex) Jaci-Paraná e do Parque Estadual de Guajará-Mirim, áreas quase extintas pelo governo, há dois anos, depois de uma lei declarada inconstitucional pela Justiça. 

Já neste ano, os parlamentares tentaram derrubar a inconstitucionalidade da norma para agradar ruralistas com quase 220 mil hectares de terra, mas fracassaram.

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Criadas por decreto do ex-governador Confúcio Moura, estão na mira dos deputados de Rondônia, as seguinte UCs:

  • Área de Proteção Ambiental do Rio Pardo (Porto Velho): 113.850 hectares 
  • Floresta Estadual do Rio Pardo (Porto Velho): 30.815 hectares
  • Estação Ecológica Umirizal (Porto Velho): 59.897 hectares
  • Reserva da Fauna Pau D’Óleo (São Francisco do Guaporé): 10.463 hectares
  • Parque Estadual Abaitará (Pimenta Bueno): 152 hectares 
  • Parque Estadual Ilha das Flores (Alta Floresta D’Oeste): 89.617 hectares 
  • Reserva de Desenvolvimento Sustentável Rio Machado (Porto Velho): 9.205 hectares 
  • Reserva de Desenvolvimento Sustentável Limoeiro (São Francisco do Guaporé): 18.837 hectares 
  • Reserva de Desenvolvimento Sustentável Serra Grande (Costa Marques): 23.180 hectares 
  • Reserva de Desenvolvimento Sustentável Bom Jardim (Porto Velho): 1.678 hectares 
  • Estação Ecológica Soldado da Borracha (Porto Velho e Cujubim): 178.948 hectares 

‘Bizarrice e desespero’

Uma Comissão Parlamentar de Inquérito é utilizada como ferramenta por legisladores em todo o mundo para investigar questões de interesse público. Geralmente, a CPI é composta por membros do próprio parlamento que têm poderes especiais para convocar testemunhas, realizar audiências e coletar provas para apurar responsabilidades sobre um determinado tema. No entanto, na avaliação do tecnólogo em Gestão Ambiental e conselheiro da Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé, Edjales Benicio, os deputados de Rondônia não apresentam argumentos concretos e convincentes para convocar o ato.

“Primeiro, que eles fazem uma confusão generalizada”, afirmou Benicio, à AGÊNCIA AMAZÔNIA. “Eles questionam que a criação das 11 Unidades de Conservação foi Ilegal, que houve irregularidades, mas isso já foi objeto de discussão em todas as instâncias do Poder Judiciário ao ponto de eles recorrerem ao Supremo Tribunal Federal e a Corte nem sequer considerar o recurso deles. Já demonstra aí uma inconsistência jurídica com as tentativas de redução e desafetação de UCs, aqui no Estado de Rondônia”, explicou.

Outro equívoco, segundo o conselheiro da Kanindé, é a forma como os parlamentares atacam o mercado de créditos de carbono, instrumento previsto pela Organização das Nações Unidas (ONU). “A forma como eles colocam dá a entender que o projeto de carbono só beneficia as empresas, que não beneficia a comunidade, e isso não tem lógica”, rebateu Edjales Benicio.  

“Projetos de carbono feitos com consistência técnica e ética só têm a somar e ajudar, tanto na conservação quanto no desenvolvimento socioeconômico no Estado. Esse caminho prova que é possível haver renda com a floresta em pé, que é possível colocar as áreas protegidas de forma estratégica na economia do Estado, desenvolvendo o ecoturismo e os produtos da sociobiodiversidade. É possível construir outro mundo que não tenha apenas criação de gado e plantio de monocultura de exportação”, acrescentou. 

Edjales Benicio é ex-secretário de Meio Ambiente da Capital Porto Velho, é tecnólogo em Gestão Ambiental e conselheiro da Associação Kanindé (Reprodução/Acervo pessoal)

Edjales também critica a “vitimização” de invasores. “As famílias que eles dizem que são vítimas, a maioria são grileiros, então, portanto, criminosos. Quem tem título e quem tem posse, deve ser indenizado conforme a lei diz. A norma é muito clara sobre isso”, disse. 

Para ele, a CPI não passa de uma “atitude desesperada para mostrar serviço aos eleitores”. “É mais uma bizarrice da Assembleia Legislativa. A última foi a criação de uma medalha para Olavo de Carvalho, que é terraplanista, fascista e que nenhuma instituição de ensino superior do mundo reconhece, mas a Assembleia Legislativa de Rondônia resolveu criar uma medalha. Então, no caso da CPI das UCs, é mais uma bizarrice, não vejo sustentação nenhuma nisso”, concluiu Edjales Benicio.

Sem esclarecimentos

Procurado pela AGÊNCIA AMAZÔNIA, o deputado Delegado Camargo não respondeu aos questionamentos. A Assembleia Legislativa de Rondônia também não retornou até a publicação desta reportagem.