Escritor lança ‘Própria Carne’, ficção inspirada no drama de uma humanidade em pandemia

Obra de Newton Cesar viaja em um mundo de distopia, violência de gênero, fome, ausência do Estado e dos fundamentos de uma sociedade democrática (Reprodução/Divulgação)

21 de maio de 2023

17:05

Mencius Melo – Da Revista Cenarium

MANAUS – Uma nova obra de ficção chega ao mercado editorial brasileiro. O romance “Própria Carne” (Edit. Almedina Brasil-Selo Minotauro, 234 pág.) apresenta um mundo distópico, sob os escombros de uma pandemia, e a luta pela sobrevivência da personagem Maria, uma heroína que luta para se manter viva em meio à escassez de alimentos, violência e exploração em um mundo condenado a uma jornada de vida ou morte. O livro é do escritor, artista plástico e designer Newton Cesar e está à venda na Almedina Brasil, pela plataforma Amazon.

Em entrevista à REVISTA CENARIUM, o escritor comentou sobre os paradoxos e paralelos que o ajudaram a construir “Própria Carne”, bem como a visão de um mundo naufragado no caos pandêmico, onde as enfermidades maiores, além do vírus ou bactéria, podem ser a desintegração do tecido social, a aniquilação das instituições e, finalmente, a extinção do Estado. Na costura de ideias, Newton buscou, na história da humanidade, as experiências diante de cenários catastróficos. Estão nas páginas do livro, a “Peste Negra” da Idade Média e a “Covid-19” da era pós-moderna.

Ilustração que retrata a morte de jovens, velhos, adultos e crianças durante o surto da ‘Peste Negra’ na Eurásia medieval (Reprodução/Internet)

Questionado sobre o porquê de buscar na Idade Média, por exemplo, fonte para construir sua obra, ele respondeu: “Eu gostaria de voltar à Idade Média. Não! Voltarei mais longe ainda. Há 500 anos antes de Cristo houve a ‘Peste de Atenas’, que dizimou metade da população. Diferentemente da ‘Peste Negra’, estudos apontam que em Atenas as mortes se deram pela contaminação da bactéria salmonella. Foi devastador. Cito a ‘Peste de Atenas’ por conta da bactéria que está presente, por exemplo, nas carnes e ovos crus. E, no ‘Própria Carne‘, o princípio da contaminação é alimentar”, explicou.

Maior mortandade

No período da “Peste Negra”, a contaminação matou cerca de 100 milhões de pessoas. É a maior mortandade até hoje. A doença destruiu a sociedade e fez surgir a base para um mundo novo, dois ou três séculos depois. Na época, parte da população perdeu, completamente, a noção da realidade e valores morais. Era comum cemitério a “céu aberto”. Corpos sendo incinerados nas esquinas. Descrença. Havia quem imputasse a pandemia ao castigo de Deus. Havia pessoas que, por acharem que o mundo ia acabar, entregaram-se aos prazeres da carne, fazendo sexo em qualquer lugar”, detalhou.

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Após reavivar os fatos passados, Newton faz um paralelo: “Claro que somos uma humanidade diferente daquela. Há conhecimento e informação à nossa disposição. O conhecimento, sob certos aspectos, nos faz diferentes. Mas será que, de fato, nos faz melhores? Enquanto temos o controle da situação podemos, sim, sermos melhores (no sentido de sermos conscientes dos valores, da importância dos outros e do mundo). Todavia, se o mundo experimentasse, outra vez, 100 milhões de mortos ou mais; se experimentasse uma realidade à beira da extinção, o que seríamos?”, questionou.

Capa do livro do escritor Newton Cesar, lançado pelo selo Minotauro, que se encontra à venda pela Amazon (Reprodução/Divulgação)

Crise alimentar

Em “Própria Carne”, Newton Cesar aborda um tema recorrente diante de crises sociais e de uma humanidade cada vez mais consumidora. “Em minha obra existe uma crise alimentar, na verdade. Imaginei um vírus que ataca as plantas e provoca uma reação em cadeia, contaminando também animais e seres humanos”, esmiuçou. “O ‘Própria Carne’ não era para ser o livro que é, então, veio a pandemia e comecei a ler algumas coisas, a peste, entre elas. De repente, deparei-me com matérias. Uma revelando que, segundo pesquisas, existem 200 vírus ou mais que atacam as plantas”, revelou.

Em meio a informações baseadas em notícias de cientistas e pesquisadores, diante do quadro calamitoso na pandemia, Cesar teve um insight para desenvolver a lógica ficcional que pautou o drama e a trama de “Própria Carne”. “A pergunta que me fiz foi: e se um vírus atacasse as plantas de maneira que não fosse possível contê-lo e as pessoas não pudessem mais comer vegetais, hortaliças, etc…?. Se não pudessem mais comer essas coisas, lhes restariam a carne. Daí, o consumo exagerado da carne e a crise. Até que, na ficção, descobre-se que a carne também está contaminada”, teorizou.

Maria, Maria

Sobre a escolha de uma personagem feminina como heroína, o autor comentou. “Personagens femininos são muito fortes, seja na vida real, seja na ficção. Sob vários aspectos, são mais fortes que os homens para encarar determinadas situações. Melhores? Não defino melhor ou pior em razão do sexo. O que faz uma pessoa boa não é seu sexo. É o que está dentro dela. É a história de vida, o caráter, o amor… Porém, imaginei, sim, que a mulher fosse melhor, pois os enfrentamentos de Maria são dificílimos. E, sim, a escolha feminina foi proposital. Indispensável, na verdade. Sem Maria, essa história não existiria”, triunfou. 

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Obra magistral ‘O triunfo da morte’, de Pieter Bruegel, que retratou o drama social e econômico da Europa devastada pela ‘Peste Negra’ (Reprodução/Internet)

Sinopse

Um vírus com alto poder de destruição leva à contaminação em cadeia de plantas, animais e seres humanos. Diante do caos e do extermínio em massa, a humanidade constrói colônias em busca da salvação. Dentro delas estão os “Domos”, feito a “Arca de Noé”, com pessoas não infectadas. Mas, junto da esperança, outras mazelas abrem espaço para novos conflitos. A luta pelo poder, o extremismo religioso e o machismo colocam o futuro das colônias em cheque. A irracionalidade transforma aquilo que seria um alento para a alma em dor e exploração.

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