Funai se retrata de ‘nota difamatória’ sobre Dom Phillips e Bruno Pereira: ‘Série de inverdades’

O jornalista britânico Dom Phillips (à esquerda) e Bruno Pereira. (Reprodução/ Internet)

28 de fevereiro de 2023

13:02

Marcela Leiros – Da Agência Amazônia

MANAUS – A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) se retratou, nesta terça-feira, 28, do que chamou de “nota difamatória e violenta” publicada pela instituição após os desaparecimentos o indigenista licenciado da fundação, Bruno da Cunha Araújo Pereira, e do jornalista britânico Dominic Phillips, em junho de 2022. O órgão era presidido pelo delegado da Polícia Federal (PF), Marcelo Xavier. Hoje, a presidente da Funai é a indígena Joenia Wapichana.

No documento publicado nesta terça-feira, a Funai pediu desculpas às famílias de Bruno e Dom, afirmando que os nomes dos dois “foram insultados por autoridades públicas no momento mais difícil da vida de suas famílias”. “É dever do Estado brasileiro reconhecer a violência difamatória que sofreram, se desculpar com seus familiares e nunca mais permitir a repetição de atos dessa natureza”, disse a Funai.

A nota foi publicada, no dia 10 de junho do ano passado, cinco dias após o desaparecimento de Bruno e Dom. Conforme a Funai, o documento “ameaçava a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) de processo judicial e trazia uma série de inverdades” contra as vítimas.

Hoje, a Funai se retrata e pede desculpas por esse capítulo lamentável de sua história”, diz o texto, publicado nesta terça-feira, lembrando que a nota anterior foi retirada do site por ordem da Justiça Federal do Amazonas, que a considerou “violadora de direitos humanos”, “inoportuna”, “indevida” e que seu conteúdo não era “compatível com a realidade dos fatos e com as normas em vigor”.

Leia também: PF afirma que Colômbia é o mandante dos assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips no AM

Determinação judicial

No dia 15 de junho de 2022, a juíza Jaiza Maria Pinto Fraxe, da 1ª Vara Federal Cível da Justiça Federal no Amazonas, determinou que a Funai não desacreditasse a trajetória do indigenista e do jornalista britânico Dom Phillips. O despacho atendeu um pedido da Defensoria Pública da União, que questionou a nota em que a Funai contestou a autorização do indigenista Bruno Pereira para entrar na Terra Indígena Vale do Javari.

No mesmo texto, o órgão afirmou que iria acionar o Ministério Público Federal para “apurar a responsabilidade” da Univaja “quanto à possível aproximação com indígenas de recente contato sem o conhecimento da instituição e, aparentemente, sem a adoção das medidas sanitárias cabíveis, entre elas, a realização de PCR e de quarentena de 14 dias”.

Respeito aos indígenas

Na retratação da Funai, o órgão afirmou a importância do trabalho da Univaja, organização indígena criada para diminuir a fragilidade dos povos da região. Foram os indígenas do Vale do Javari que localizaram o ponto exato dos crimes e forneceram informações para que as investigações acerca da morte de Bruno Pereira e Dom Phillips pudessem se aprofundar.

A publicação, disponível no site da Funai, enfatiza também o trabalho das vítimas. “Bruno era um indigenista dedicado, de seriedade e compromisso amplamente reconhecidos, que sofreu perseguição dentro do órgão que o deveria proteger e foi exonerado de suas funções por incomodar criminosos, ou seja, por cumprir o seu dever como funcionário do Estado. Pagou com a vida pelo comprometimento inabalável que tinha com os povos indígenas”, constou no texto.

“Dom Phillips era um jornalista que devotava seu trabalho à proteção da Amazônia e de seus povos e também pagou com a vida por essa dedicação”, acrescentou ainda.

A Funai ainda presta homenagem ao indigenista Maxciel Pereira, que foi assassinado em 2019 no município de Tabatinga, no interior do Amazonas, se comprometendo a acompanhar e cobrar resolução do caso, até hoje não solucionado. Maxciel também trabalhava na fiscalização da Terra Indígena Vale do Javari.

A negligência de autoridades públicas e sua atuação muitas vezes contrária aos direitos indígenas está diretamente relacionada a esse crime e a todos os outros que ocorreram no Javari. A Funai se compromete a acompanhar e cobrar a resolução das investigações, para que a família de Maxciel tenha direito à Justiça“, afirmou a Funai.

Leia a nota na íntegra:

A Fundação Nacional dos Povos Indígenas(Funai) vem a público corrigir os termos de nota difamatória e violenta anteriormente publicada por esta fundação, quando era presidida pelo delegado Marcelo Xavier. A nota publicada no dia 10 de junho de 2022, apenas cinco dias após o desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips, ameaçava a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) de processo judicial e trazia uma série de inverdades contra Bruno e Dom.

O texto foi retirado do site da Funai por ordem da Justiça Federal do Amazonas, que considerou a nota “violadora de direitos humanos”, “inoportuna”, “indevida” e que seu conteúdo não era “compatível com a realidade dos fatos e com as normas em vigor”. Hoje, a Funai se retrata e pede desculpas por esse capítulo lamentável de sua história.

Afirmamos a importância do trabalho da Univaja, organização indígena cuja colaboração é fundamental para a proteção e promoção dos direitos indígenas na região do Vale do Javari e sem a qual os assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips não teriam sido, pelo menos em parte, solucionados. Foram os indígenas do Javari que localizaram o ponto exato dos crimes e forneceram informações cruciais para que as investigações pudessem se aprofundar.

No dia de hoje, a Funai se junta a outras autoridades federais e ministros de Estado, respondendo ao convite da Univaja para um primeiro passo para retomada do Vale do Javari, assolado por quadrilhas criminosas diante do abandono promovido pelo governo anterior. Esse primeiro passo tem que ser acompanhado do reconhecimento das responsabilidades institucionais pelo que aconteceu e segue acontecendo na região.

No dia de hoje também prestamos nossa homenagem ao indigenista Maxciel Pereira, que em função dos trabalhos na fiscalização da Terra Indígena Vale do Javari também foi assassinado pelo crime organizado que atua na região. A negligência de autoridades públicas e sua atuação muitas vezes contrária aos direitos indígenas está diretamente relacionada a esse crime e a todos os outros que ocorreram no Javari. A Funai se compromete a acompanhar e cobrar a resolução das investigações, para que a família de Maxciel tenha direito à Justiça.

Bruno era um indigenista dedicado, de seriedade e compromisso amplamente reconhecidos, que sofreu perseguição dentro do órgão que o deveria proteger e foi exonerado de suas funções por incomodar criminosos, ou seja, por cumprir o seu dever como funcionário do Estado. Pagou com a vida pelo comprometimento inabalável que tinha com os povos indígenas. Dom Phillips era um jornalista que devotava seu trabalho à proteção da Amazônia e de seus povos e também pagou com a vida por essa dedicação.

Por isso tudo, hoje pedimos desculpas às famílias de Bruno e Dom. Os nomes deles foram insultados por autoridades públicas no momento mais difícil da vida de suas famílias e é dever do Estado brasileiro reconhecer a violência difamatória que sofreram, se desculpar com seus familiares e nunca mais permitir a repetição de atos dessa natureza.