Grupo de estudos leva debate sobre violência de gênero ao Parque das Tribos, em Manaus

A professora Iraildes Caldas durante Ação de Enfrentamento à Violência de Gênero, no Parque das Tribos, em Manaus (AM). (Marcela Leiros/Agência Amazônia)

20 de dezembro de 2023

11:12

Marcela Leiros – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – O Grupo de Estudos, Pesquisa e Observatório Social: Gênero e Poder (Gepos), da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), coordenado pela professora Iraildes Caldas, levou ao Parque das Tribos, no bairro Tarumã, Zona Oeste de Manaus (AM), ação de enfrentamento à violência contra a mulher para tratar sobre violência política de gênero. O tema foi debatido no sábado, 16, entre pesquisadores, professores e moradores do que é considerado o primeiro bairro indígena da capital amazonense.

A violência política de gênero é definida, segundo o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, como a agressão física, psicológica, econômica, simbólica ou sexual contra a mulher, com a finalidade de impedir ou restringir o acesso e exercício de funções públicas ou induzi-la a tomar decisões contrárias à sua vontade. A prática é considerada crime, de acordo com a Lei 14.192/2021.

Leia também: Violência política de gênero é consequência do machismo estrutural, aponta analista
O Gepos é composto por mulheres e homens orientandos de mestrado e doutorado. (Marcela Leiros/Revista Cenarium Amazônia)

Iraildes Caldas classifica como violência política de gênero: a violência política simbólica; violência política psicológica; violência política econômica; violência sexual; e violência política física. Segundo a pesquisadora, se entre as mulheres brancas já há uma invisibilização dessa violência, com as mulheres indígenas o cenário se intensifica.

Tipos de violência política de gênero. (Edição: Mateus Moura/Revista Cenarium Amazônia)

“Nós temos a violência política hoje como um grande conceito que a sociedade brasileira traz para o debate. Ao mesmo tempo, há uma invisibilização desse tipo de violência, especialmente no contexto indígena, onde a mídia nem sempre chega até as comunidades, tanto no entorno de Manaus quanto dentro da cidade metropolitana. Aqui, no Parque das Tribos, por exemplo, nós ouvimos vários depoimentos de mulheres que passaram por violência política”, declarou.

A pesquisadora Iraildes Caldas comenta como a violência política no Parque das Tribos afasta mulheres dos espaços de poder. (Alan Geissler/Revista Cenarium Amazônia)

Iraildes Caldas ainda explicou que a violência política de gênero é um conjunto de ações contrárias e desfavoráveis à ascensão da mulher no espaço público e espaços de poder, como parlamentos, por exemplo, mas também a associação de moradores e conselhos indígenas.

Essas mulheres são preteridas, são desvalorizadas, são desincentivadas a não aceitar esses cargos porque consideram que é para o homem, o homem que tem que desenvolver, a mulher é incapaz, ou não tem condições porque tem filho, tem que estar em casa. Essas questões desfavorecem a mulher de ela não ir para o espaço público, para os espaços de poder. É o que nós estamos chamando de violência política, e é muito forte aqui no Parque das Tribos“, acrescentou.

Pesquisadores, professores, acadêmicos e moradores do Parque das Tribos se reuniram no sábado, 16. (Marcela Leiros/Revista Cenarium Amazônia)
Grupo de estudos

O Gepos é composto por mulheres e homens orientandos de mestrado e doutorado que realizam pesquisas acadêmicas sobre temáticas de gênero e questões amazônicas. A assistente social e aluna do mestrado Francianny Maia, que integra o grupo, é descendente de indígenas da etnia Sateré-Mawé e quilombolas da Bahia. Ela reforçou a necessidade de as mulheres indígenas tomarem conhecimento do que é a violência de gênero e de se empoderarem em espaços de poder dominados por brancos.

Leia também: Caso Ana Hickmann: mulheres têm vergonha e medo de denunciar companheiros, afirmam especialistas

“Existem apelidos pejorativos como: ‘Lá vai a indiona passando’. Quem nunca ouviu isso? Isso é um preconceito, é uma violência. E quando você é mulher nesses espaços, sem indígenas, a violência dói ainda muito mais. É importante a gente se empoderar, saber que nós temos o direito de ser respeitados pelo que nós somos, mas principalmente por aquilo que nós representamos”, citou.

Assistente social e aluna do mestrado Francianny Maia (Alan Geissler/Revista Cenarium Amazônia)

Maia ainda citou a tentativa de silenciamento que mulheres indígenas sofrem nesses espaços. “As lutas de vocês também não podem ser silenciadas, muito menos proibidas de serem vividas porque vocês existem e vocês resistem. A partir da luta de vocês, do diálogo de vocês, mas principalmente das manifestações”, concluiu.

Luta

O Parque das Tribos passou a ser reconhecido como o primeiro bairro indígena de Manaus a partir do Decreto Nº 5.346, de 29 de junho de 2022, assinado pelo prefeito David Almeida (Avante). Apesar do reconhecimento da área de mais de 54 mil m² como área indígena, o processo referente à posse e propriedade está sob judice — em trâmite judicial — na Justiça. Os indígenas também já passaram por duas reintegrações de posse.

Nesta luta pelo direito de viver no território, as mulheres indígenas estiveram na linha de frente da batalha. Uma delas foi a artesã, estilista e liderança Maíra Belo, da etnia Mura. Ela chegou ao Parque das Tribos há oito anos e viveu de perto os conflitos. À REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA, Maíra relatou sobre os ataques sofridos.

“As mulheres estiveram [na luta], junto com as crianças, com seus filhos no colo, ouvindo comentários que diziam ‘vocês estão lutando por uma terra que mais tarde não vai ser de vocês, que vão chegar os milicianos, vão tomar a terra e vão mandar vocês de volta para os territórios de vocês’, mas isso não aconteceu, porque aqui nós lutamos para nossa moradia, e estamos até hoje aqui”, contou.

As mulheres estiveram [na luta], junto com as crianças, com seus filhos no colo, ouvindo comentários que diziam ‘vocês estão lutando por uma terra que mais tarde não vai ser de vocês, que vai chegar os milicianos, vão tomar a terra e vão mandar vocês de volta para os territórios de vocês’, mas isso não aconteceu, porque aqui nós lutamos para nossa moradia, e estamos até hoje aqui”, contou.

Maíra Belo, da etnia Mura; a estilista se envolveu na luta pelo Parque das Tribos há oito anos. (Marcela Leiros/Revista Cenarium Amazônia)

Da etnia Tikuna, Gleiciane de Oliveira Souza também compartilhou o relato da violência doméstica sofrida com ex-companheiros. “Ele começou a falar: ‘se você não for minha, você não vai ser de mais ninguém’. Eu disse ‘esse cara está desejando a minha morte’. Então foi quando eu parei de sair. Tudo aquilo que eu gostava de fazer, eu parei, porque eu me sentia ameaçada. ‘Ou ele vai fazer alguma coisa comigo, ou com alguém que está ao meu redor, perto de mim”, narrou.

A gente como mulher tem que se valorizar mais. Eu falei, eu falo para os caras que estão comigo. Eu não aceito ninguém tocando nos meus filhos, não aceito ninguém tocando em mim. Porque eu descobri que eu tenho força“, disse ela.

Gleiciane de Oliveira Souza também compartilhou o relato da violência doméstica (Alan Geissler/Revista Cenarium Amazônia)
Consequências

A Lei 14.192/2021, que tornou crime a violência política de gênero, completou dois anos em agosto deste ano. De acordo com a lei, considera-se violência política contra a mulher toda ação, conduta ou omissão com a finalidade de impedir ou restringir os direitos políticos femininos.

A norma prevê pena de um a quatro anos de prisão para quem “assediar, constranger, perseguir ou ameaçar candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato, utilizando-se de discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia“.

Leia também: Misoginia e violência política de gênero são desafios para mulheres no poder

Em 2022, ano das últimas eleições, os dois meses que antecederam o primeiro turno das eleições registraram quase o mesmo número de episódios de violência política e eleitoral do que os sete primeiros meses de 2022, segundo o estudo Violência política e eleitoral no Brasil, produzido pelas organizações de direitos humanos Terra de Direitos e Justiça Global.

O estudo analisou o período entre 2 de setembro de 2020 e 2 de outubro de 2022, onde foram mapeados 523 casos ilustrativos de violência política envolvendo 482 vítimas entre representantes de cargos eletivos, candidatos/as ou pré-candidatos/as e agentes políticos no Brasil.

Leia mais: Comunidades quilombolas na Bahia: confronto com violência, ameaças e pressões persistentes
Editado por Jefferson Ramos
Revisado por Gustavo Gilona