Misoginia e violência política de gênero são desafios para mulheres no poder

Mulheres em posições de poder ainda enfrentam violência (Reprodução/Justiça Eleitoral)

08 de outubro de 2023

22:10

Yana Lima – Da Agência Cenarium Amazônia

MANAUS (AM) – Os recentes ataques a mulheres em lugares de poder, que ganharam grande repercussão na mídia, são exemplos de como divergências políticas são manifestadas, muitas vezes, de forma misógina e discriminatória quando as envolvem, segundo especialistas consultados pela AGÊNCIA CENARIUM AMAZÔNIA. Estes podem ser indicativos do porquê a presença feminina nesses espaços ainda é um desafio.

Nesta semana, a única conselheira do Tribunal de Contas do Amazonas (TCE-AM), Yara Lins, eleita presidente da Corte, denunciou o colega de Tribunal, Ari Moutinho, por xingá-la minutos antes da eleição para diretoria do órgão. Como representante, ela escolheu, talvez estrategicamente, a advogada Catharina Estrella, que foi associada a uma “cadela” pelo, agora, aposentado promotor de Justiça Walber Luís do Nascimento.

Nesse rol de mulheres em posições de poder atacadas por homens, sejam elas mais altas ou mais baixas no que se pode chamar de hierarquia, ainda se inclui a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, que enfrentou, em viagem ao Amazonas, homens “furiosos” que a acusam de atravancar o licenciamento da BR-319 e impedir o desenvolvimento do Estado.

O deputado Sinésio Campos aponta o dedo para a ministra Marina Silva ao falar sobre a BR-319 (Reprodução/site BNC)
Dois gêneros, duas medidas

Para a advogada eleitoral Maria Benigno, quando as discordâncias políticas e ideológicas são direcionadas a mulheres, elas geralmente se manifestam de maneira mais agressiva, se configurando uma violência política de gênero. Os contrapontos vêm em forma de xingamentos e questionamentos sobre a competência.

Entendo como violência política de gênero, porque é o questionamento da competência de uma mulher pelo fato de ela ser mulher. Ela [Marina Silva] não teria sido questionada dessa forma, assim como não foram os ministros anteriores. No caso da conselheira, provavelmente, se o alvo fosse um homem, jamais teria tido as falas relacionadas à conduta pessoal da mulher. Chamar de vadia, de vagabunda, é algo que atinge profundamente a mulher. Mesmo quando um homem é xingado, não é por coisas que digam respeito à sua intimidade”, avalia.

Maria Benigno é especialista em Direito Eleitoral (Divulgação)
Violência política x misoginia

A mestra em Sociologia e ativista dos direitos das mulheres Marklize Siqueira explica que a violência política de gênero se manifesta quando mulheres em posições de poder são alvo de agressões físicas, verbais, psicológicas ou simbólicas, visando constranger ou impedir seu pleno exercício profissional. Segundo ela, no caso de Yara Lins, este fenômeno vem acrescido de indícios de misoginia.

Quando observamos situações como essa, é pertinente questionar se um homem teria sido tratado da mesma maneira. Essa reflexão nos leva ao tema da misoginia, um profundo desprezo pelas mulheres, muitas vezes, manifestado por atitudes violentas e desrespeitosas”, avalia.

Dados do Observatório da Mulher contra a Violência (OMV) mostram que uma em cada três mulheres no ambiente político já foi discriminada devido ao seu gênero, três vezes mais que os homens, conforme boletim divulgado no último mês de abril.

Para a ativista, a violência política de gênero prejudica a democracia e a participação feminina nos espaços de poder. Segundo ela, isso é umas das causas da sub-representação, em particular, na política institucional. “É urgente e necessário debater este tema na sociedade brasileira para que avancemos como sociedade plural, diversa, igualitária e verdadeiramente democrática”, aponta.

A pesquisadora destaca que os conselheiros do TCE têm uma posição de alta responsabilidade, o que torna ainda mais perturbador o fato de que a violência de gênero tenha ocorrido em suas dependências. Em sua análise, eles não são pessoas comuns, mas sim detentores de uma função estratégica na sociedade, encarregados de fiscalizar os recursos públicos e garantir a integridade das instituições.

Então, isso evidencia como a violência de gênero está profundamente enraizada em nossa sociedade. Essa questão se manifesta em todos os níveis da sociedade, em todas as interações sociais, em todas as esferas de poder e em todas as áreas profissionais. Não se trata apenas de denunciar; é fundamental que a Justiça seja efetivamente aplicada”, destacou.

Marklize Siqueira é mestra em Sociologia e ativista dos direitos das mulheres (Divulgação)
Violência que transcende camadas sociais

Professora e pesquisadora da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), a pós-doutora em Sociologia Marilene Corrêa avalia que estes são exemplos de como a violência de gênero não conhece fronteiras e pode ocorrer em qualquer lugar, inclusive, em ambientes institucionais.

A professora da Ufam, pós-doutora em Sociologia, Marilene Corrêa (Reprodução/Internet)

A pesquisadora destaca que os conselheiros do TCE têm uma posição de alta responsabilidade, o que torna ainda mais perturbador o fato de que a violência de gênero tenha ocorrido em suas dependências. Em sua análise, eles não são pessoas comuns, mas sim detentores de uma função estratégica na sociedade, encarregados de fiscalizar os recursos públicos e garantir a integridade das instituições.

Então, isso evidencia como a violência de gênero está profundamente enraizada em nossa sociedade. Essa questão se manifesta em todos os níveis da sociedade, em todas as interações sociais, em todas as esferas de poder e em todas as áreas profissionais. Não se trata apenas de denunciar; é fundamental que a Justiça seja efetivamente aplicada”, destacou.

Crime

O Código Eleitoral tipifica como crime as condutas de “assediar, constranger, humilhar, perseguir ou ameaçar, por qualquer meio, candidata a cargo eletivo ou detentora de mandato eletivo, utilizando-se de menosprezo ou discriminação à condição de mulher ou à sua cor, raça ou etnia, com a finalidade de impedir ou de dificultar a sua campanha eleitoral ou o desempenho de seu mandato eletivo”.

Já o artigo 359-P do Código Penal conceitua como crime as condutas de “restringir, impedir ou dificultar, com emprego de violência física, sexual ou psicológica, o exercício de direitos políticos a qualquer pessoa em razão de seu sexo, raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”.

Além destas, outras disposições foram trazidas pela Lei nº 14.192, de 04 de agosto de 2021, que estabelece normas para prevenir, reprimir e combater a violência política contra a mulher durante as eleições e no exercício de direitos políticos e de funções públicas.

O Ministério Público Eleitoral (MPE) tem competência constitucional para propor ações que visem apurar esse tipo de conduta. Caso alguém queira apresentar uma notícia de violência política pelo gênero, basta acessar o formulário do MPF.

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Editado por Marcela Leiros
Revisado por Adriana Gonzaga