Jovem com deficiência processa empresa por falta de acessibilidade em show no Amazonas

Jovem precisou subir em mesa de plástico para assistir ao show (Arte: Mateus Moura/Agência Amazônia)

27 de janeiro de 2023

14:01

Ívina Garcia – Da Agência Amazônia

MANAUS – A jovem Larissa da Silva Costa, conhecida como Lally, de 25 anos, estava animada para ir à “A Festa do Ano”, show realizado na Arena da Amazônia, em 24 de setembro de 2022. O evento teve como atrações as duplas Matheus & Kauan, Jorge & Mateus e a cantora pop brasileira Luísa Sonza. Mas o que era um sonho acabou se tornando um pesadelo naquela noite.

Lally é uma pessoa que usa cadeira de rodas, mas nunca viu isso como um impedimento a seu lazer. No evento, porém, ela enfrentou uma situação que lhe causou tristeza e estresse. Isso porque os ingressos para a “Área Vip”, adquiridos para ela e o pai, que a acompanhava, não davam direito à área de acessibilidade. Lally teve de assistir ao show no meio da multidão, e a visibilidade ficou prejudicada.

Após tentativas frustradas de acesso à área de circulação em frente ao palco, a solução encontrada pelo pai da jovem foi colocá-la em cima de uma mesa de plástico para que Lally pudesse, então, ficar na mesma altura do público e assistir à apresentação.

Larissa precisou ser colocada em cima de uma mesa de plástico para assistir ao show (Reprodução)

Não tive acesso adequado a um local em que eu pudesse ter uma visualização boa do show, todos que me viram tentaram me ajudar de alguma forma. Falo dos seguranças, bombeiros e até mesmo os cantores, que tentaram chamar atenção para que eu tivesse um espaço melhor para ficar, já que no evento isso não ocorreu“, relata a jovem.

No site do evento, não há especificação de qual seria a área destinada às pessoas com deficiência, sobretudo aqueles com dificuldades motoras. Lally conta que tentou entrar em contato com a empresa responsável pelo show para tirar dúvidas, mas não obteve retorno.

Apesar de ter o direito à gratuidade no show, segundo a Lei de Acessibilidade Estadual (AM) nº 241 de 27 março de 2015, a jovem optou por comprar o ingresso na “Área Vip”, buscando mais conforto e, talvez, uma visualização mais próxima do palco.

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No site, onde estavam disponíveis os ingressos, não tinha a opção para compra PCD. Inclusive, até mandei mensagem antes para perguntar se precisava mesmo ter um ingresso diferenciado, porém, não obtive respostas”, diz.

A empresa virou alvo de inquérito civil no Ministério Público do Amazonas (MP-AM), por falta de informação de acessibilidade. A justificativa dada pela responsável pelo evento é de que Larissa não teria informado a eles que os ingressos comprados seriam utilizados por uma pessoa com mobilidade reduzida.

A empresa alegou também que se a jovem tivesse adquirido os ingressos destinados às PCDs e acompanhantes, ela e o pai teriam sido acomodados nos lugares adequados da Arena da Amazônia. O local disponibiliza 10% do espaço às pessoas com mobilidade reduzida.

Conforme apuração, site não tinha informações suficientes sobre acessibilidade (Reprodução)

Conforme a empresa, o local do evento tem um espaço reservado exclusivamente à acomodação de pessoas que usam cadeiras de rodas e seus acompanhantes, chamado de “Setor Podium”. Porém, segundo Larissa, no site não havia a especificação dos espaços destinados às PCDs.

Vitor Moreira da Fonsêca, promotor de Justiça responsável pelo inquérito, pontuou que basta uma rápida análise na página de informações do evento para constatar que a informação dada pela empresa não consta no link. “Ao não disponibilizar de forma explícita a informação de que apenas um setor possuía condições de visão e acessibilidade para cadeirantes, também deu causa à falta de informação da pessoa com deficiência“, escreve.

O art 3º, IV, d, da Lei nº. 13.146, de 6 de julho de 2015, prevê que é considerada barreira na informação ou comunicaçãoqualquer entrave, obstáculo, atitude ou comportamento que dificulte ou impossibilite a expressão ou o recebimento de mensagens e de informações por intermédio de sistemas de comunicação e de tecnologia da informação“.

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O promotor pontua que a empresa, inclusive, continua divulgando eventos sem a informação de acessibilidade do local e a disponibilidade de ingressos para PCDs. “(…) sendo certa, portanto, a necessidade de aprimoramento do sistema de informações e aquisição de ingressos de forma a evitar conflitos de natureza semelhante“, diz trecho do documento.

Fonsêca determina ainda que, no processo, sejam autuadas as impressões das páginas eletrônicas em que constam a venda de ingressos da empresa. O promotor também solicita um laudo que confirme que o setor “Podium” é o único apto a receber pessoas com deficiência.

Além disso, pede que seja repassada a lista de eventos que serão realizados na Arena da Amazônia e quais medidas e ações já estão sendo tomadas para disponibilizar informações claras e explícitas aos interessados nos pontos de vendas, na página eletrônica da empresa e de seus parceiros e nos estandes de vendas dos futuros eventos, no sentido de que o setor apropriado e recomendado para pessoas com deficiência de mobilidade é o setor “Podium”.

Mapa divulgado pelo evento não mostra informações sobre acessibilidade (Divulgação)

À Fundação Amazonas de Alto Rendimento (Faar), o promotor pede documentos e informações sobre o eventual laudo, relatório ou estudo sobre da acessibilidade da Arena da Amazônia, especialmente sobre os limites de vendas de ingressos para pessoas com deficiência em determinadas áreas para eventos e shows realizados no local, em razão de dificuldade de acessibilidade.

De acordo com Larissa, esse foi o primeiro show da empresa em que ela enfrentou momentos tão conturbados. “Essa foi a primeira e espero que seja a última que passei por isso. Me senti extremamente lesada por aquela situação, só estava querendo uma coisa que era minha por direito e não me foi dada nenhuma assistência“, lamenta.