Justiça condena torturador do jornalista Vladimir Herzog e entidades comemoram a decisão

Vladimir Herzog é memória de um período obscuro da história do Brasil e seu nome é, hoje, prêmio de jornalismo voltado aos direitos humanos no País (Reprodução/Internet)

26 de janeiro de 2023

23:01

Mencius Melo – Da Agência Amazônia

MANAUS – Os presidentes dos sindicatos de jornalistas do Amazonas e do Pará comemoraram a condenação dos delegados Aparecido Laerte Calandra, David Santos do Araújo e Dirceu Gravina acusados de 27 casos de tortura e morte, dentre os quais a do jornalista Vladimir Herzog, morto nos porões do Destacamento de Operações Internas do Comando Operacional de Informações do 2° Exército, o famigerado DOI-CODI, em 1975, durante a ditadura militar no Brasil. Calandra foi seu algoz.

Vladimir Herzog atuava da TV Cultura de São Paulo quando foi, espontaneamente, prestar depoimento no DOI-CODI por possíveis ‘atuações’ comunistas (Reprodução/O Globo)

Os três agentes da repressão foram condenados a pagar R$ 1 milhão, cada um, por torturas, mortes e desaparecimentos durante a ditadura militar (1964-1985). Eles ainda podem recorrer da sentença. A indenização deve ser paga a título de danos morais coletivos contra a sociedade brasileira. O dinheiro vai para o Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, gerido pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. A juíza Diana Brunstein, da 7ª Vara Cível Federal de São Paulo, concluiu que os delegados causaram indiscutíveis danos psíquicos/morais à sociedade brasileira como um todo”.

Para Wilson Reis, presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amazonas (SJPAM), a condenação, ainda que tardia, tem função histórica. “É importante que a Justiça reconheça quem foi efetivamente preso, perseguido, torturado, inclusive, assassinado. A Justiça de São Paulo garante o reconhecimento do Estado brasileiro às famílias das vítimas. Quando a Justiça toma uma decisão assim, ela da cor, representação e grau da maldade dos militares e do regime que eles, violentamente, implantaram no País”, declarou.

Reis continuou as observações: “No caso do jornalista Vladimir Herzog, para nós, enquanto jornalistas brasileiros, é uma morte emblemática, é o ápice da violência e do desrespeito aos direitos humanos no Brasil. Vladimir foi torturado e morto e sua morte foi o início da onda de questionamentos do regime militar e da própria Lei da Anistia que, na verdade, foi um gesto dos militares para se autoanistiarem, incluso aí os torturadores que estavam no meio dos militares ou eram os próprios militares”, criticou.

Único registro das atividades políticas de Thomazinho Meirelles nos ‘anos de chumbo’: a carteira de dirigente da União Brasileiras de Estudantes Secundaristas (Reprodução/Arquivo Familiar)

No Amazonas

Ainda segundo Wilson Reis, o desaparecimento do amazonense Thomáz Antônio da Silva Meirelles Neto também precisa ter uma resposta do Estado brasileiro. Thomáz atuou como jornalista, em Manaus, em jornais como A Crítica. Participou no movimento estudantil e entrou para a clandestinidade nos anos 1970. “É preciso, também, uma responsabilização contra o Estado pelo desaparecimento do jornalista Thomazinho Meireles. Ele desapareceu, no Rio de Janeiro, no ano de 1974, aos 36 anos, e até hoje sua família não sabe seu paradeiro”, lamentou.

Para o presidente do Sindicato dos Jornalistas do Pará (Sinjor), Vitor Gemaque, a condenação é necessária. “Vemos como um gesto muito importante essa decisão da Justiça de São Paulo. Infelizmente, o Brasil não passou pelo processo de responsabilização dos torturados e assassinos durante a redemocratização. Foram perseguições e assassinatos a jornalistas e militantes sociais. Isso é necessário, inclusive, para as famílias de desaparecidos“, observou.

Guerrilha do Araguaia

Vitor lamenta o atraso e recorda as lutas contra a ditadura no Pará. “É uma decisão tardia, mas, ela pode abrir para que as famílias dos desaparecidos da Guerrilha do Araguaia, membros do PCdoB, que nunca foram encontrados, por exemplo, possam saber de seus parentes. É uma decisão que dá um recado a nossa sociedade de que não vale tudo na luta política. Não vale você torturar, agredir a integridade humana de outra pessoa ou assassinar a sangue-frio. Essa é a nossa avaliação”, declarou.

Os, hoje, delegados aposentados Dirceu Gravida (à esquerda) e David dos Santos (à direta). Ambos condenados e reconhecidos como torturadores e assassinos (Reprodução/Internet)

A Guerrilha do Araguaia foi um foco guerrilheiro revolucionário formado por cerca de 80 integrantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB). Instalou-se, na Amazônia brasileira, entre os Estados do Pará e Tocantins, no ano de 1972. O objetivo era a luta armada para derrubar o regime dos generais.

O movimento foi, duramente, combatido pelo Exército brasileiro e, ao final dos combates, somente 25 sobreviveram. Estima-se que 50 guerrilheiros foram mortos em combate ou executados após captura. Seus corpos nunca foram encontrados.

Vladimir Herzog

Vladimir Herzog nasceu em 27 de junho de 1937, na cidade de Osijek, na antiga Iugoslávia, atual Croácia. Morou no Brasil e aqui estabeleceu sua carreira como jornalista, sendo lembrado para sempre como um dos maiores profissionais que o País já teve a honra de ter.

De origem judaica, ‘Vlado’, como era carinhosamente chamado, sobreviveu aos horrores do nazismo. Sua família fugiu da Europa e encontrou refúgio no Brasil. Por triste ironia, Vladimir acabou vítima dos horrores de outra ditadura: a ditadura militar brasileira. Foi torturado até a morte no número 1.030 da rua Tomás Carvalhal, bairro do Paraíso, em São Paulo. Sede do extinto DOI-CODI.