Lockdown em Manaus é indeferido por ausência de comprovação técnica, diz magistrado

Na decisão, a magistrada afirma que o movimento “não se apresenta legítimo, na medida em que o comparecimento dos servidores na assembleia que deliberou acerca da paralisação foi ínfimo,

06 de maio de 2020

18:05

Nícolas Marreco – Da Revista Cenarium

O pedido de lockdown para Manaus foi negado pelo juiz da 1ª Vara da Fazenda Pública, Ronnie Torres Stone, no início da noite desta quarta-feira, 6. Na peça, o magistrado justifica ao pedido impetrado pelo Ministério Público do Estado (MP-AM), que as medidas de contenção social já impostas pelo governo do estado são suficientes. O MP vai recorrer da decisão.

Mais cedo, o governador Wilson Lima (PSC) defendeu um consenso entre os Executivos Estadual e Municipal e o MP, e que é a favor de restrições mais pesadas sobre o distanciamento e isolamento. Fez ressalvas, entretanto, que a obediência da população aos decretos já impostos é que vai definir um possível isolamento maciço.

Em meio à acentuação da curva de contaminação, com o Amazonas registrando hoje 1.134 casos em 24 horas, o juiz defendeu que sentiu a ausência de peças documentais suficientes para arguir o pedido, e fez reclames da maioria da petição citar apenas matérias de cunho jornalístico. “O pedido não veio acompanhado de base documental que dê sustentação à tutela requerida. Isto porque quase todas as menções […] dizem respeito a matérias jornalísticas”, afirmou Stone.

Em nota, o MP registrou que entende os boletins epidemiológicos divulgados diariamente como razão suficiente para a adoção de lockdown, devido à ascendência da curva de contaminados. “Esses números apontam para a imperiosa adoção de medidas mais extremas, com o objetivo de conter a proliferação do vírus. O recurso será interposto como forma do Ministério Público reafirmar seu compromisso com a defesa da vida, da saúde e dos direitos coletivos”, diz trecho da nota.

O magistrado ainda apontou possíveis intenções ocultas no pedido do MP, no sentido de pôr em dúvida as informações apresentadas pelo autor, uma vez que, para ele, houve ausência de comprovações técnicas. “Curiosamente, o autor extrai conclusão […] por meio do uso de calculadora epidêmica que pode ser encontrado em um determinado link. Nenhum estudo técnico foi apresentado nesse sentido”, especificou.

No decorrer da decisão, o juiz reclama o fato de o MP não ter incluído “nenhum dado oficial gerado, por exemplo, pelo Município de Manaus” dentro das situações oriundas da pandemia, como a crise funerária que a capital enfrenta. “O que obrigou este Juízo, mais uma vez, em razão da urgência e das circunstâncias, a tomar a iniciativa de solicitar, informalmente, acesso a dados”, continuou.

Stone lembrou que o estado passou a adotar as medidas restritivas em 23 de março. “A exemplo, trabalho em [regime de] home office no âmbito da Administração Direta e Indireta do Poder Executivo; a suspensão do funcionamento de todos os estabelecimentos comerciais e serviços não essenciais; restrição de atendimento em clínicas a situações de emergências”, dentre outros.

Ele usou os oito decretos elencados pelo MP, inicialmente, sobre medidas de restrição social, para embasar que “o estado não se encontra omisso diante da pademia que assola não só o Brasil, mas o mundo”.

Sobre o Município de Manaus, ele escreveu que “a petição inicial nada diz de concreto, especialmente se houve ou não alguma regulamentação por parte do Executivo Municipal”, reclamando que o autor do pedido não enviou sequer os relatórios de sepultamentos da capital nos meses de março, abril e maio para embasar o pedido de lockdown.

Taxa de sepultamento

Argumento também usado pelo juiz para proferir o indeferimento, o quadro evolutivo dos sepultamentos na capital, de abril a maio, mostra “clara tendência decrescente”, segundo Stone. A fonte dos dados é a Secretaria Municipal de Limpeza e Serviços Públicos (Semulsp).

“Esses dados, ao contrário do que sugere o autor, demonstram que as medidas adotadas, ainda que não tão rigorosas como as desejadas na peça inicial, estão a indicar que o surto já se encontra, no mínimo, estabilizado, com tendência de redução”, justificou.

Em conclusão, o magistrado indica que “o que se pretende é substituir o poder de polícia à disposição do gestor público pela força de uma decisão judicial, ou seja, transferir para o Poder Judiciário a responsabilidade pela execução das medidas previstas […] é inaceitável por conta da distribuição de atribuições […] dentro do sistema constitucional vigente”. Veja a decisão completa a seguir.