MEC determina fim progressivo das escolas cívico-militares no Brasil

Alunos com uniforme padrão de colégio militar. (Foto: Carolina Antunes/PR)

12 de julho de 2023

13:07

Marcela Leiros – Da Agência Amazônia

MANAUS – O Ministério da Educação (MEC) e o Ministério da Defesa determinaram o fim progressivo do Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares no País, instituído pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), segundo Ofício Circular Nº 4/2023, de segunda-feira, 10, ao qual a AGÊNCIA AMAZÔNIA teve acesso. Nota técnica obtida pelo Estadão aponta que um dos motivos é um “problema de coesão com o sistema educacional brasileiro e o modelo didático-pedagógico adotado”.

Especialistas afirmaram que a decisão segue o estado democrático de direito ao respeitar direitos como o pluralismo de ideias e a gestão democrática, mas há quem veja o encerramento do programa como uma “decisão equivocada”.

De imediato, segundo o documento, deve-se iniciar o “processo de desmobilização do pessoal das forças armadas envolvidos em sua implementação e lotado nas unidades educacionais vinculadas ao programa“. O MEC enfatiza que o encerramento deve ocorrer até o fim do ano letivo, para não comprometer os trabalhos e atividades que ainda precisam ser realizadas nas instituições de ensino.

A partir desta definição, iniciar-se-á um processo de desmobilização do pessoal das Forças Armadas envolvidos em sua implementação e lotado nas unidades educacionais vinculadas ao programa, bem como a adoção gradual de medidas que possibilitem o encerramento do ano letivo dentro da normalidade necessário aos trabalhos e atividades educativas“, consta no ofício.

Ofício do Ministério da Educação e do Ministério da Defesa. (Reprodução)

O ministério pontua, ainda, que cabe aos coordenadores regionais do programa a implementação das estratégias para cumprir a determinação, assim como assegurar que o processo não comprometa o cotidiano das escolas e conquistas do programa.

Segundo o Estadão, a nota técnica cita quatro motivos para o fim do programa implementado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro. Além do “desvio de finalidade das atividades das Forças Armadas”, o MEC entende haver um problema de execução orçamentária no programa e que os investimentos poderiam ser mobilizados em outras frentes da pasta.

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Estado democrático de direito

Doutora em Educação e autora do livro “O trabalho da coordenação pedagógica na contemporaneidade”, Míriam Amaral afirma que a decisão deve ser celebrada porque é preciso avançar em políticas públicas democráticas e não conservadoras, como propunha o programa. “A decisão do atual governo converge com o estado democrático de direito, sobretudo nas escolas públicas, para os estudantes brasileiros, que devem ter acesso aos espaços das escolas de forma democrática“, explica.

Na análise de Míriam, a decisão caminha com a própria Constituição Federal e com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB 9394/96) quanto ao princípio constitucional do direito de acesso e permanência do estudante na escola pública, e que o programa do Governo Bolsonaro ia na “contramão“.

O Programa Nacional das Escolas Cívico-Militares não era acessível para todo e qualquer estudante. Esses estudantes teriam que fazer toda uma seletiva de provas para ter acesso à matrícula, o que é inconstitucional, porque é uma organização educativa pública e não teria esse tipo de seleção para selecionar os mais aptos“, elenca a especialista.

Sobre a violação da gestão democrática, a especialista cita que o programa era uma transferência da gestão civil das unidades escolares nos seus aspectos de tomada de decisão institucional e pedagogia para as mãos dos militares, sobretudo na tentativa de se realizar o controle comportamental dos estudantes conforme a filosofia das corporações militares.

Já quanto ao não pluralismo de ideia, Míriam lembra que o programa definia regras que deveriam ser “rigorosamente” seguidas no ambiente escolar, não sobrando espaço para uma proposta pedagógica progressista no estado democrático de direito.

Tudo o que esse programa e as escolas cívico-militares queriam abordar e apontar era um perfil de aluno que seguisse regras de conduto sendo obedecidas, padrões de comportamento, disciplina, hierarquia, enfim, regras com as quais ele deveriam ser rigorosamente observados no ambiente escolar“, acrescenta.

Valorização do respeito e da família

O mestre em Ciências da Educação Rodrigo Fróes, no livro “Entre escritos, riscos e rabiscos”, analisa haver pontos positivos a serem considerados no sistema das escolas cívico-militares, como a participação da família na vida escolar dos alunos, mas ele acredita que o formato ainda é excludente.

Na base, o aluno ‘Soldado’ começa a trabalhar valores fundamentais, como respeito e família. E essa base torna-se um dos fatores positivos acarretando o ingresso na faculdade, depois no mercado de trabalho. Os pais e responsáveis lutam por essa vaga, então cobram junto ao aluno os deveres e lições, o compromisso com o fardamento e material, bem como a pontualidade e respeito. A participação da família é parte fundamental do processo de construção de educação“, defende ele.

Os editais para acesso privilegiam alunos vindos de escolas particulares com notas maiores. Alunos de bairros de periferia e famílias desestruturadas não conseguem acessar“, diz, ainda.

Amazonas

No Amazonas, no início do ano, o governador Wilson Lima (União Brasil) anunciou a construção de mais unidades de escolas sob a gestão da Polícia Militar, os chamados Colégios Militares da Polícia Militar (CMPMs). Até então, o Estado mantinha oito colégios militares em Manaus e um em Manacapuru. A AGÊNCIA AMAZÔNIA aguarda posicionamento da Secretaria de Estado de Educação e Desporto (Seduc) sobre como ficará a situação das escolas cívico-militares no Estado.

À AGÊNCIA AMAZÔNIA, o deputado federal Capitão Alberto Neto (PL), um dos parlamentares defensores do programa, afirma que há sucesso nas escolas do Amazonas que tem a gestão voltada para a disciplina e os valores nacionais. “Não quero que todas as escolas tenham esse tipo de gestão, alguns alunos não vão se adaptar, porém, a exclusão tira a oportunidade de alunos que se encaixam bem nesse modelo e vão perder a oportunidade de se desenvolver com mais facilidade. A educação é inclusão, sendo até um pouco redundante, inclusão de todos“, defende.