No AM, indígenas do Vale do Javari são ameaçados com arma de fogo; ‘Tememos novas mortes’

Base da Funai, no Rio Ituí, na confluência com o Rio Itacoaí, que funciona como um posto de controle para entrada na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas (Lalo de Almeida/Folhapress)

22 de novembro de 2022

20:11

Gabriel Abreu – Da AGÊNCIA AMAZÔNIA

MANAUS – A União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) voltou a divulgar nesta segunda-feira, 21, que as ameaças contra os povos indígenas da região, que fica no extremo oeste do Amazonas, persistem. A região é a segunda maior terra indígena do Brasil e foi onde o indigenista Bruno Pereira e o jornalista britânico Dom Phillips foram assassinados no dia 5 de junho deste ano. Os coordenadores da Univaja temem novas mortes na região.

Em carta enviada à AGÊNCIA AMAZÔNIA, os representantes pedem uma intervenção das autoridades responsáveis pela proteção ao meio ambiente, pela vida das populações indígenas e pela segurança pública na região fronteiriça entre Brasil e Peru. O coordenador jurídico da Univaja, Eliesio Marubo, disse que com os ataques há risco de novas mortes.

Sede da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Reprodução)

Denúncia

No dia 17 de novembro, a Associação Kanamari do Vale do Javari (Akavaja), uma das organizações de base, denunciou a ameaça sofrida por um grupo de 30 indígenas da etnia Kanamari (dentre eles, mulheres e crianças) que estava se deslocando pelo Rio Itacoaí quando se deparou com uma equipe de invasores dentro da terra indígena.

Os criminosos ambientais se encontravam numa localidade chamada “volta do Bindá”, no Rio Itacoaí, com embarcações cheias de produtos ilegais provenientes da caça e da pesca predatória no interior da terra indígena.

“De fato, nós tememos novas mortes. Na verdade, essa nota é uma posição sobre os Kanamari, por eles terem sido ameaçados. Essa é uma posição oficial da Univaja, lembrando que estamos acompanhando a situação dos Kanamari e já tem esses encaminhamentos, com abertura de inquéritos e tudo mais. Pedimos algumas diligências, que não posso te passar agora, mas acredito que na próxima semana essas diligências serão feitas”, disse à AGÊNCIA AMAZÔNIA o coordenador jurídico da Univaja, Eliesio Marubo.

Eliesio Marubo é coordenador jurídico da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) (Pedro França/Agência Senado)

Veja também: Ambientalistas e entidades listam pontos para proteção da Amazônia a partir de 2023

Em um dos trechos da carta, a coordenação da Univaja aponta que “os invasores ameaçaram os indígenas Kanamari com arma de fogo, em específico, contra uma de nossas lideranças Kanamari, com o argumento de que aconteceria com ela o mesmo que ocorreu com os indigenistas Bruno Pereira e Maxciel Pereira dos Santos, que foram assassinados na região por trabalharem na fiscalização e vigilância territorial do Vale do Javari”, consta no documento.

Trecho da carta da Univaja (Reprodução)

Os indígenas afirmam que os saques na reserva indígena continuam preocupante, ameaçando lideranças e usando a retórica dos assassinatos de Bruno Pereira e Dom Phillips como forma de intimidação. A Univaja salienta, ainda, que a própria inoperância e inércia das autoridades responsáveis, como Funai, Polícia Federal (PF), Ibama, Ministério Público Federal (MPF) e Polícia Militar Ambiental do Amazonas, são motivadores para que esses crimes que ameaçam a vida e o meio ambiente sigam acontecendo constantemente.

Veja ainda: Riscos no Vale do Javari foram alertados por Bruno Pereira em reportagem de 2017

Grupo

Eles pedem, ainda, que o governo brasileiro monte um grupo composto de integrantes da PF, do Ibama, Funai, Polícia Militar Ambiental do Amazonas, Força Nacional e MPF, sob comando de uma única coordenação, atuando diretamente em Atalaia do Norte e nas Bases de Proteção Etnoambiental da Funai, localizadas nos rios Ituí, Jandiatuba e Curuçá, por um período de 24 meses consecutivos. Da forma que vem sendo feito é paliativo e dispendioso, dando tempo suficiente para que essas quadrilhas se reestruturem e passem a operar horas depois.

Por fim, pedem que a equipe de transição do novo governo de Lula dê total prioridade à proteção e segurança, no Vale do Javari, inclusive, constando nas programações de atividades do governo, a partir de agora.

Trecho da carta da Univaja (Reprodução)

Inquérito

Na semana passada, a Polícia Federal no Amazonas abriu um inquérito para investigar relatos de ameaça de morte e ataque a tiros a cargo de pescadores ilegais contra indígenas Kanamari do Vale do Javari. A PF instaurou o inquérito e enviou policiais para a região com propósito de ouvir os Kanamari, segundo informação da corporação no Estado. O objetivo é tentar identificar os supostos agressores.

Dom Phillips e Bruno Pereira foram assassinados dentro da Terra Indígena Vale do Javari (Divulgação)

O caso

O caso aconteceu no domingo, 5, após Bruno e Phillips receberem ameaças em campo, segundo a União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja). A organização afirma que o indigenista era ameaçado, constantemente, por sua atuação contra invasores na região: pescadores, garimpeiros e madeireiros. Já o jornalista, apaixonado pelo Brasil, era conhecido por reportagens denunciando as violações dos direitos dos indígenas e vinha trabalhando em um livro sobre o meio ambiente.

Equipes da Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM), da Univaja e da Marinha do Brasil foram enviadas e realizaram buscas pelo ativista e pelo jornalista. A Polícia Federal e o Exército também enviaram reforços. Além disso, a PC-AM instaurou um inquérito policial para investigar o caso.

Réus

Bruno e Dom foram executados por pescadores ilegais com atuação dentro e fora da Terra Indígena Vale do Javari, conforme denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) à Justiça Federal de Tabatinga, distante da capital mais de 1 mil quilômetro de Manaus.

São réus no processo, Amarildo Oliveira, o “Pelado”; seu irmão, Oseney de Oliveira, o “Dos Santos”; e Jefferson da Silva Lima, o “Pelado da Dinha”. Eles decidiram matar Bruno e Dom por causa da ofensiva do indigenista contra a atividade criminosa, segundo o MPF.

Veja a íntegra da carta: