No Maranhão, famílias são expulsas de comunidade tradicional; autoridades repudiam ação

Estruturas construídas na comunidade Baixão dos Rochas ficaram destruídas. (Reprodução/ Internet)

22 de março de 2023

13:03

Marcela Leiros – Da Agência Amazônia

MANAUS – Organizações da Sociedade Civil (OSCs) e autoridades do Maranhão repudiaram, nesta semana, o ataque a famílias da Comunidade Tradicional Baixão dos Rochas, em São Benedito do Rio Preto, a cerca de 240 km da capital São Luís. Moradores da comunidade tradicional denunciaram que tiveram suas casas incendiadas e que foram obrigados a deixar suas terras durante a madrugada de domingo, 19.

As 57 famílias moram na comunidade há mais de 80 anos e vivem da agricultura familiar e do extrativismo. Segundo informações, pelo menos 15 homens chegaram ao local fortemente armados e invadiram as residências. Um grupo de idosos e uma criança foram mantidos reféns, além de cachorros, galinhas e outros animais terem sido mortos. Alimentos também foram saqueados.

Casa de farinha na comunidade Baixão dos Rochas, no Maranhão, ficou destruída. (Reprodução/ Internet)

A Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Sociotransformadora da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (Cepast-CNBB) e mais de 50 organizações assinam “Nota de Indignação” sobre o atentado. O documento exige que os órgãos de Justiça do Estado apurem as investigações e responsabilize os responsáveis pelas violações que as comunidades tradicionais “vivenciam com frequência”, assim como garantam segurança dos territórios e de todas as famílias que sofrem a violência no campo.

A Mitra Diocesana do Brejo prestou solidariedade e apoio as famílias, e se referiu ao ataque como “ato de terrorismo”. Além disso, exigiu que a punição dos criminosos seja apurada e que ocorra, urgentemente, a regularização fundiária em favor das famílias. A diocese pediu, ainda, atendimento psicossocial às famílias vítimas da violência e a reconstrução das casas e indenização das benfeitorias.

Já a presidente da Assembleia Legislativa do Maranhão, deputada Iracema Vale (PSB), e os deputados Júlio Mendonça (PCdoB), Rodrigo Lago (PCdoB) e Zé Inácio (PT) lamentaram, na sessão plenária dessa terça-feira, 21, o atentado. “São 57 famílias que tiveram suas casas destruídas por tratores e queimadas, bem como crianças e idosos ameaçados. Nós precisamos nos posicionar denunciando e solidarizando com esses trabalhadores rurais ameaçados”, defendeu Mendonça.

Na segunda-feira, o governador do Estado, Carlos Brandão (PSB) afirmou que a Secretaria de Estado dos Direitos Humanos e Participação Popular do Maranhão e a Secretaria de Segurança foram até o local para “apurar os fatos e garantir assistência às famílias”. Segundo ele, um grupo de trabalho foi formado para a resolução do conflito. A REVISTA CENARIUM aguarda posicionamento do Governo do Maranhão sobre as medidas que serão tomadas.

Momentos de terror

Moradora da comunidade, Maria Helena de Caldas Rocha, 60 anos, relatou os momentos de terror. Ela e seus familiares foram acordados com gritos, rendidos e foram expulsos das residências. “Eles ficavam mandando destruir as coisas, que tinha vindo com ordem de uma empresa que não disse o nome, que era pra destruir“, afirmou ela.

Após serem retirados do local, ela e familiares foram levados para um lugar ermo, onde precisaram esperar a madrugada toda até conseguirem ajuda. Os homens estavam encapuzados. “Levaram a gente pelo escuro e ficamos lá até eles irem embora, estavam armados e muito armados. Era [arma] grande, pequena, mas ninguém conhecia nenhum porque a metade estava encapuzado“, contou ela.

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Veja o vídeo:

Invasão no território

A área da comunidade Baixão dos Rochas tem aproximadamente 600 hectares e as 57 famílias estão no local há mais de 80 anos. Duas empresas iniciaram a invasão do território em 2021 e jagunços passaram a ameaçar os moradores. Os invasores passaram a desmatar o território, sem licença ambiental, para plantio de soja. Depois, ajuizaram ação de reintegração de posse para expulsar as famílias.

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As terras são públicas e o processo tramita hoje na Vara Agrária do Maranhão. O Instituto de Colonização e Terras do Maranhão (Iterma) reconheceu, em uma manifestação acerca de uma Ação de Manutenção de Posse, em 9 de fevereiro de 2023, que parte de um território da comunidade Baixão dos Rocha foi grilado em São Benedito do Rio Preto. A ação foi movida pelas empresas que alegam serem donas do terreno. No entanto, os documentos não foram considerados válidos.

Analisando a Certidão n 1.477, restou constatado que o imóvel em questão se localiza em São Benedito do Rio Preto, porém, o mesmo fora registrado em Vargem Grande/MA, mesmo já existindo cartório na cidade de São Benedito do Rio Preto, de modo a ferir também o princípio de territorialidade. Desse modo, fica claro que a análise documental resultou na verificação de ilegalidade registral, de modo que os documentos apresentados pelos Requerentes não possuem validade“, alegou o instituto.