‘Otimismo imprudente’, alertam infectologistas sobre retirada das máscaras em RO: ‘Estamos exaustos de tanto falar’

Após a desobrigação do uso de máscaras, os casos de Covid-19 voltaram a subir em Rondônia (Reprodução/Internet)

22 de março de 2022

17:03

Iury Lima – Da Revista Cenarium

VILHENA (RO) – Os casos de Covid-19 voltaram a subir em Rondônia e, dessa vez, o motivo é o que os especialistas já haviam alertado, mas ‘estão cansados’ de repetir: a liberação do uso obrigatório de máscaras. “Nós, infectologistas, estamos exaustos de falar que não é o momento da retirada das máscaras. Isso é um otimismo imprudente”, alertou, em entrevista à CENARIUM, o infectologista Nelson Barbosa.

Desde que entrou em vigor, em 14 de março, o Decreto Estadual nº 26.970, que deixa o cidadão escolher se quer ou não utilizar o item de prevenção em qualquer ambiente, a disparada de casos confirmados, nos 52 municípios, alcançou 62%, ou seja, mais de 3.500 diagnósticos. Portanto, 1.356 registros de infecção a mais que na semana anterior, quando o uso da medida não farmacológica ainda era obrigatória, período em que foram registrados 2.180 testes positivos para a doença. 

Para a infectologista Ana Galdina, o quantitativo superior a 1.300 casos, em apenas sete dias, significa “uma alta circulação de vírus na população”. “Logo, se ainda existe essa alta prevalência do vírus, por mais que os casos não sejam tão graves, devido à vacinação, ainda é fato que existe uma alta circulação viral. Por isso, as medidas de prevenção ainda precisam ser estimuladas. A decisão deveria ser dar um ‘passinho’ para trás e retornar com as medidas de proteção”, esclareceu a especialista à reportagem.

Rondônia tem mais de 380 mil casos confirmados e 7 mil vítimas da Covid-19 (Reprodução/Governo de Rondônia)

Decisão precipitada 

Rondônia não é o único Estado a facultar o uso do equipamento em ambientes internos ou externos, sendo que em todo o País, ao menos 20 capitais já seguiram pelo mesmo caminho. Algumas delas foram mais específicas e decidiram desobrigar o uso em qualquer lugar; Porto Velho é a única na Amazônia Legal. 

Ana Galdina pondera que o desuso de máscaras é “um movimento mundial” que considera o índice de pessoas imunizadas e o acompanhamento de queda de casos e internações, mas que, ainda assim, necessita de vigilância intensiva, visto que a especialista acredita que tal cenário “é algo que, inevitavelmente, vai acontecer” em todo o território nacional. No entanto, em Rondônia, o governo utilizou previsões de uma inteligência artificial (IA) para declarar a retirada da obrigação.

“A gente replica o que acontece na Europa, seja de bom ou de ruim. Acontece lá, aguarde que, dali a algumas semanas, a gente vai vivenciar isso por aqui”, analisou a infectologista. “Alguns países da Europa, anteriormente, já tinham evoluído para uma queda das máscaras (…) Já a Áustria, por exemplo, deu, recentemente, um passo atrás e voltou ao uso obrigatório”, citou Galdina como exemplo.

Para a infectologista Ana Galdina, a retirada das máscaras é “um movimento mundial” que requer vigilância intensiva (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Pacote surpresa

De maneira discreta, o governo de Rondônia divulgou apenas a liberação do uso obrigatório de máscaras, mas para dizer a verdade é que o decreto estadual autoriza muito mais que isso, num pacote precipitado e perigoso, na avaliação de especialistas. Sendo assim, o governador coronel Marcos Rocha (PSL) declara:

  • Uso facultativo de máscaras de proteção em todos os ambientes, sem limitação de pessoas, não podendo haver restrição ou recusa para acesso a qualquer local;
  • Realização de eventos de todas as modalidades, sem limitação de capacidade de público e sem restrição de horário, e;
  • Dispensa da comprovação prévia de vacinação contra a Covid-19 (passaporte da vacina) para acesso ou permanência no interior de qualquer ambiente público ou privado.

“A flexibilização do uso de máscaras e a liberação de shows, sem limite de público, foi uma conduta precipitada, porque a pandemia ainda não acabou. O vírus continua no nosso meio. Então, um relaxamento no uso de máscaras, na aglomeração e nas outras medidas de prevenção não farmacológicas só vão fazer com que o vírus tenha um ‘repique’ na nossa população”, criticou o infectologista Nelson Barbosa.

Nelson cita a cidade chinesa de Sheyang como exemplo de combate ao vírus (Reprodução/Arquivo pessoal)

Barbosa exemplifica, como conduta a ser adotada, o que fez a administração de Shenyang, cidade polo industrial chinesa que, com apenas 47 novos casos de infecção por Sar-Cov-2, nesta terça-feira, 22, declarou lockdown para 9 milhões de habitantes; “para você ver a seriedade que o povo chinês tem em enfrentar a pandemia de coronavírus”, disse o infectologista.

Em 24 horas, a China teve 4,7 mil novos casos da doença, enquanto que no Brasil foram confirmados novos 14.543 registros de infecção no último dia. 

Péssimo exemplo para a Região Norte

Observando a situação do terceiro maior Estado do Norte brasileiro, o especialista fica temeroso com o que pode ocorrer no Amazonas, visto que com a liberação da obrigatoriedade de máscaras em ambientes abertos de Manaus, em vigor desde o dia 16, o afrouxamento das medidas pode se tornar, também, tendência na Unidade Federativa vizinha.

“Rondônia faz parte da Região Norte, então, se um Estado da Região Norte está tendo novos casos de Coronavírus, isso é porque a conduta não foi adequada; foi precipitada e imprudente”, reiterou. “Nós, no Brasil, conseguimos quase 80% da cobertura vacinal; aqui em Manaus está em 85% e, em todo o Estado, não passa de 60%. Creio que, assim como em Rondônia, Manaus foi precipitada com a decisão da retirada de máscaras”, acrescentou.

Na avaliação de Ana Galdina, Rondônia está desprovida de cautela. “O Estado tem que procurar estimular da seguinte forma: ‘é um passo de cada vez’. A gente não pode abrir tudo de uma vez. A coisa tem que ser escalonada, então, o escalonamento é como? ‘Olha, nesse primeiro momento, é a liberação de máscaras, mas tem restrição de eventos’: essa é a coisa mais segura a ser feita”, sugere ela ao governo. 

Quadro epidemiológico

Rondônia tem, até esta terça, 387.822 casos conhecidos de Covid-19 confirmados, além de 7.145 óbitos.

Do total de infectados, quase 370 mil pacientes foram curados, sendo que 10,8 mil ainda têm o vírus ativo no organismo; 69 estão internados e a fila de espera por leitos de UTI segue zerada. 

Quanto à vacinação, mais de 2,7 milhões de doses foram aplicadas, contemplando 64,68% da população com duas doses ou dose única. Já quem recebeu uma terceira dose de reforço representa pouco mais de 20% dos rondonienses; quase o mesmo índice de crianças de 5 a 11 anos vacinadas (20,69%).

Sem respostas 

Procurado e questionado pela REVISTA CENARIUM, o governo de Rondônia foi negligente, uma vez mais, e não respondeu como a Secretaria de Estado da Saúde (Sesau-RO) vai lidar com o aumento de casos em decorrência das medidas sanitárias afrouxadas. 

O Executivo também não informou, até o fechamento desta reportagem, se as prefeituras terão autonomia para exigir o uso de máscaras e se vão engrossar as restrições de horários, limitação de público e realização de eventos nos municípios.