Pesquisadores amazonenses veem desinformação em pesquisa do CFM sobre Covid-19

Vacinação de crianças contra Covid-19 na UBS 5 de Taguatinga Sul. (Imagem: Agência Brasil-EBC)

17 de janeiro de 2024

15:01

Marcela Leiros – Da Agência Amazônia

MANAUS (AM) – Profissionais da saúde do Amazonas — Estado que sofreu com a crise de oxigênio na pandemia da Covid-19 — repudiaram, junto a entidades e instituições científicas do País, a pesquisa formulada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) para avaliar a opinião dos médicos brasileiros sobre a obrigatoriedade da vacinação contra a doença em crianças de 6 meses a 4 anos e 11 meses. Segundo os profissionais, a pesquisa tem caráter negacionista.

Sob alegação “de compreender a percepção dos médicos brasileiros“, o CFM promoveu uma pesquisa nacional utilizando como instrumento um questionário enviado por meio eletrônico. Nas instruções aos profissionais, o CFM informou que as respostas serão computadas como voto e os resultados subsidiarão o desenvolvimento de ações relacionadas ao tema.

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Epidemiologista da Fundação Oswaldo Cruz, Jesem Orellana critica o que chamou de “enquete” com intuito de levar desinformação à comunidade não-científica, e considera que o levantamento do CFM não tem qualquer valor científico ou técnico claramente positivo. O especialista pontua ainda que a atual gestão do conselho já provou ter “posições negacionistas” em relação à Covid-19 no País.

Considerando as últimas posições negacionistas da atual gestão do CFM, em relação à vacinação contra a Covid-19 no Brasil, o propósito [da pesquisa] parece ser de fomentar a incerteza e gerar ainda mais desinformação sobre a vacinação entre 6 meses e 4,9 anos, pois nada sério, ético e profissional pode ser extraído de enquete, sobretudo, de ‘levantamentos’ tendenciados, com fortes traços negacionistas e de baixíssima transparência“, explica.

O epidemiologista da Fiocruz, Jesem Orellana. (Reprodução/ Internet)

Orella lembra também que o CFM não é uma entidade focada na geração de conhecimento científico e tem como foco central apenas a “fiscalização e normatização da prática médica”.

Além de não ser uma entidade focada na geração de conhecimento científico, leva um ‘não-cientista’, incluindo trabalhadores de saúde e sociedade de forma ampla, a um falso entendimento de que se trata de estudo com projeto técnico-científico, com mérito científico e alinhado a preceitos elementares da legislação sobre pesquisa com seres humanos no Brasil. Portanto, a estratégia usada pelo CFM está muito mais alinhada a uma enquete, sem qualquer valor científico ou técnico claramente positivo“, acrescenta.

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Vacinação

O médico infectologista Nelson Barbosa também não aprova a pesquisa, e enfatiza a importância da vacinação para o público infantil e de idosos. “Eu concordo com a vacinação tanto dos idosos, quanto das crianças e também da população geral. Você viu que o divisor de águas na pandemia foi a vacina, isso daí é incontestável. Foi começar a usar a vacina, começou a diminuir o número de casos, de morte, de internações“, destaca.

Barbosa ainda compartilha a preocupação com a negligência de determinados públicos com a imunização e alerta para uma possível epidemia de Covid-19 entre a população que não tem o esquema vacinal completo.

Casos de Covid estão voltando a aparecer. E quais são as razões? Primeiro que as pessoas não completaram o esquema vacinal. Alguns pais não levaram as crianças pra se vacinar, e alguns idosos também estão negligenciando a vacina. Vamos ter, espero que não, que seja só um repique, se a coisa ficar ruim, vamos estar diante de uma epidemia localizada no Estado“, alerta.

Vacinação de crianças. (Reprodução/Governo do Ceará)

Orellana chama a atenção para o que representa a obrigatoriedade da vacina. O epidemiologista explica que a vacinação compulsória não significa uso da força ou mesmo ameaça de prisão, mas uso de mecanismos que limitam o acesso do cidadão não vacinado à escola, ao trabalho e a outros espaços, e que a medida pode salvar vidas.

O fato de a vacina contra a Covid-19 ter sido incorporada ao Calendário Nacional de Vacinação das crianças de seis meses a quatro anos e 11 meses significa que estamos evitando casos graves da doença nesse público ou mesmo mortes, além de contribuir ao uso racional de recursos financeiros no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), auxiliando na melhoria da qualidade de vida população e salvando vidas, com base em fortes e consolidadas evidências científicas. Finalmente, precisamos lembrar que essas estratégias visam parcimônia entre liberdade individual e a proteção coletiva“, conclui.

Repúdio

No mesmo sentido das manifestações, entidades técnico-científicas também repudiaram a pesquisa. A Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), considerada a maior sociedade científica da América Latina, lembrou que a ciência não é matéria de opinião e que protocolos de prevenção e de tratamento de doenças são desenvolvidos a partir de pesquisas, do laboratório aos seres humanos.

A pesquisa básica estuda os mecanismos de ação de novos fármacos, propõe estratégias preventivas e terapêuticas, que são amplamente testadas antes de serem aprovadas ou rejeitadas“, pontuou. “Não se decide se a Terra é redonda ou plana, se Marte é um planeta ou um holograma, por meio de enquetes de opinião, como essa ora realizada pelo CFM. Questões científicas são tratadas por cientistas, mediante procedimentos rigorosos e mundialmente consagrados“.

Sede do Conselho Federal de Medicina (CFM). (Divulgação)

O Núcleo de Enfrentamento e Estudos de Doenças Infecciosas Emergentes e Reemergentes (Needier), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), destacou que a pesquisa do CFM ignora toda a estrutura técnica que respalda as orientações do Plano Nacional de Imunização (PNI).

Ao lançar sua ‘pesquisa’ baseada em opiniões, o CFM ignora toda a estrutura técnica especializada que respalda as orientações do PNI e as bases da metodologia científica, trazendo apenas insegurança e dúvidas à população. Sem contribuir com evidências sólidas, como esperado de um órgão de classe profissional, enfraquece a confiança em um programa de excelência na prevenção de doenças“, inclui.

Confira a nota do Needier na íntegra:

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Editado por Jefferson Ramos