Povo Kumaruara lança protocolo de consulta e consentimento sobre próprio território e cultura

Os Kumaruara estabeleceram leis e regras, via protocolo, para a conduta em seus territórios, culturas, conhecimentos e saberes (Suellen Kumaruara/Reprodução)

20 de fevereiro de 2023

20:02

Mencius Melo – Da Agência Amazônia

MANAUS – O povo originário Kumaruara lançou, no último dia 11 de fevereiro, o próprio Protocolo de Consulta Prévia, Livre, Informada e Consentida (CPLI). O documento, que tem caráter histórico, foi lançado na Aldeia Suruacá, em Santarém, no Pará, região onde estão concentradas as oito aldeias que compõem a nação Kumaruara. O lançamento contou com representantes da Funai, do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do Ministério Público Federal (MPF), integrantes do “Projeto Saúde e Alegria” e representantes do povo Mundukuru, Tupinambá, de quilombos e de pescadores.

Nós, o povo Kumaruara, no exercício da nossa cidadania, construímos este protocolo com vistas a garantir o nosso Direito à Consulta e Consentimento, Prévia, Livre, Informada, de Boa-fé e Culturalmente Adequada (CPLI). Vivemos nas margens do baixo Rio Tapajós e estamos em oito aldeias: Araçazal, Solimões, Vista Alegre do Capixauã, Mapirizinho, Muruary, Suruacá, Novo Carão e Americano. Somos um povo indígena guerreiro na luta por justiça étnica, diz o documento.

Na cartilha onde estão contidos as regras do protocolo, explicações são dadas sobre a origem, o conhecimento e a cultura dos Kumaruara (Reprodução/Cimi)

Para o antropólogo Alvatir Carolino, essas iniciativas, cujo objetivo é estabelecer regras para a entrada em territórios e a obtenção de conhecimentos em terras indígenas, tem amparo em lei. “É direito, inclusive, internacional, está na resolução 189 da OIT que diz que qualquer ação, projeto ou intervenções em terras indígenas precisa passar por consulta, e o Brasil sendo signatário da ONU isso tem valor de lei”, destacou Alvatir. No caso específico de protocolos, como os estabelecidos pelos Kumaruara, Alvatir analisou: “Provavelmente, eles criaram seus próprios métodos para o regramento de consultas“, observou.

Consultar

O documento dos Kumaruara estabelece obrigações: “Nós, povos indígenas, precisamos ser consultados de qualquer projeto antes da tomada de decisão por ONGs, pelo poder público e privado, para saber o verdadeiro interesse de projetos que tenham intenção de serem instalados em nosso território, para assegurar sua preservação e garantir a qualidade de vida dos nossos parentes e das futuras gerações...”, alertou o texto.

O protocolo Kumaruara também considera o status dos trabalhos acadêmicos como pesquisas e outras formas de obtenção de conhecimento a partir da cultura Kumaruara. “Devemos ser consultados a respeito de pessoas que chegam em nossas aldeias com interesse em pesquisas e informações sem comunicar nossas lideranças. Caso a pesquisa aconteça, que apresente o material final da pesquisa antes da publicação, para aprovação do território“, estabeleceu o documento.

Nas páginas do protocolo também são informados a língua, que é o ‘Nheegatu’ ou ‘língua-geral’, organizações e forma de divisão dos trabalhos e tarefas (Reprodução/Cimi)

Por fim, o documento indica quem pode auxiliar no processo de consulta: “Os professores, pedagogos das aldeias, antropólogos indígenas e universitários, o Cita, o GCI, o Cimi, o Terra de Direitos, ou representantes que o território Kumaruara possa confiar são quem pode responder e esclarecer as perguntas complexas. Este é o nosso protocolo de consulta e queremos que ele seja respeitado! Assina o povo Kumaruara“, finalizou o protocolo.