Deputado propõe liberação de garimpo no Amazonas: ‘Desenvolvimento sustentável’

O deputado estadual Adjuto Afonso (Divulgação)

01 de novembro de 2023

13:11

Yana Lima – Da Revista Cenarium Amazônia

MANAUS – As pautas relacionadas ao garimpo tendem a ser controversas devido ao potencial impacto ambiental. Em contrapartida a essa questão, a mais recente proposta sobre o tema no Amazonas fala em “responsabilidade ambiental” no setor, visando garantir um “desenvolvimento sustentável”. O Projeto de Lei (PL) 1011/2023 propõe um Marco Regulatório Estadual para a Atividade de Mineração no Amazonas. A proposta é do deputado estadual Adjuto Afonso (União Brasil).

Leia o projeto na íntegra

O parlamentar defendeu o projeto nesta terça-feira, 31, na Assembleia Legislativa do Amazonas (Aleam). A matéria já tramita na Casa e aguarda um prazo de três sessões em pauta ordinária para receber emendas. Alguns deputados estaduais já se manifestaram publicamente a favor do garimpo, como o presidente da Aleam, Roberto Cidade (União Brasil), Cabo Maciel (PL), Fausto Júnior (União Brasil) e Sinésio Campos (PT).

Área de garimpo dentro da Terra Indígena Trincheira Bacajá, município de Altamira, no Pará (Reprodução/PF/Ascom)

O autor do projeto afirma que a intenção é modernizar o setor da mineração no Estado, promovendo o desenvolvimento econômico de forma sustentável e responsável. A proposta afirma que a atividade de mineração estará sujeita a responsabilidades ambientais que envolvem a prevenção, mitigação e compensação de impactos ambientais, considerando o bem-estar das comunidades locais e o desenvolvimento sustentável nas áreas próximas às minas.

Garimpo no Rio Madeira

O autor da proposta afirma que copiou o modelo existente em Rondônia e Mato Grosso como marco inicial da atividade legal de garimpo no Amazonas.

Ele conta que participou de reunião promovida pela Câmara Municipal de Humaitá com garimpeiros da região, vereadores, o prefeito da cidade, o presidente do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam), Juliano Valente, e o secretário estadual de Mineração, Gás e Energia, Ronney César Campos Peixoto.

Garimpo próximo à aldeia Estirão das Cobras, na Terra Indígena Munduruku, no Pará (Lalo de Almeida – 22.set.2023/Folhapress)

“A mineração é uma atividade econômica importante no Amazonas, porquanto pode contribuir para o desenvolvimento regional e gerar empregos e renda, fato justificado pelo rogo da população que habita a Calha do Rio Madeira”, diz o deputado na justificativa do projeto.

Utilidade Pública

O deputado Adjuto Afonso ressalta que o garimpo é um meio econômico de utilidade pública, e que o projeto incentiva o aproveitamento dos recursos minerais e promove o desenvolvimento sustentável.

O Projeto de Lei também propõe a simplificação da análise de atos processuais e procedimentos de outorga, principalmente para empreendimentos de pequeno e médio porte. Além disso, incentiva a formalização da mineração garimpeira artesanal e o aproveitamento de rejeitos, estéreis e resíduos da mineração.

Outro destaque do projeto é a participação da sociedade civil por meio de audiências públicas, garantindo transparência e envolvimento da comunidade nas decisões relacionadas à mineração no Amazonas.

Impactos

Os impactos da instalação do estabelecimento da infraestrutura de mineração foi objeto de estudo de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em conjunto com a Universidade de Queensland, da Austrália. A pesquisa apontou que a mineração representa um potencial risco para as florestas tropicais no mundo todo. “Em especial na floresta amazônica, a atividade leva ao desmatamento, passando dos limites operacionais suportáveis pela floresta”, afirma o estudo.

As regiões do Amapá e Pará foram escolhidas para a pesquisa. A pesquisadora Juliana Siqueira-Gay, engenheira ambiental, doutora em Ciências pela Escola Politécnica (Poli) da USP e gerente de projetos no Instituto Escolhas, diz que o estudo se baseou em “dois principais modelos, o que a gente chama de modelos espacialmente explícitos”.

Foi a partir da simulação de como ficariam esses ambientes, com a abertura de estradas para o acesso às novas minas, e assim averiguar o avanço e a quantidade de desmatamento. Um exemplo utilizado foi o da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca), que compreende nove unidades de conservação na divisa dos Estados do Amapá e Pará e pode implicar em um desmatamento substancial, desde a instalação das minas até as atividades secundárias que giram em torno da exploração de minérios.

O estudo concluiu que as atividades de mineração gerariam consequências diretas e indiretas, principalmente no que diz respeito ao desenvolvimento regional. “Nós teríamos uma perda de diversidade significativa, há uma perda de hábitat imediata também”, afirma a pesquisadora.

Terras indígenas e Unidades de Conservação na Amazônia

Entre 1985 e 2020, a área minerada no Brasil cresceu seis vezes, segundo a mais recente análise temporal do território brasileiro feita pelo MapBiomas. O dado, que resulta da análise de imagens de satélite com o auxílio de inteligência artificial, expressa o salto de 31 mil hectares em 1985 para um total de 206 mil hectares no ano passado. Boa parte desse crescimento se deu mediante a expansão na floresta amazônica.

Garimpo na Terra Indígena Yanomami, em Roraima (Fernando Frazão/Agência Brasil)

Em 2020, três de cada quatro hectares minerados no Brasil estavam na Amazônia. O bioma concentra 72,5 % de toda a área, incluindo a mineração Industrial e o garimpo. São 149.393 ha; destes, 101.100 ha (67,6%) são de garimpo. A quase totalidade (93,7%) do garimpo do Brasil concentra-se na Amazônia. No caso da mineração industrial, o bioma responde por praticamente a metade (49,2%) da área ocupada por essa atividade no País.

Fonte: MapBiomas

Segundo o instituto, além de se concentrar na Amazônia, o garimpo caracteriza-se também pela forte expansão em anos mais recentes. A expansão do garimpo coincide com o avanço sobre territórios indígenas e unidades de conservação. De 2010 a 2020, a área ocupada pelo garimpo dentro de terras indígenas cresceu 495%; no caso das unidades de conservação, o crescimento foi de 301%. No ano passado, metade da área nacional do garimpo estava em unidades de conservação (40,7%) ou terras indígenas (9,3%).

“Pela primeira vez, a evolução das áreas mineradas é apresentada para a sociedade, mostrando a expansão de todo o território brasileiro desde 1985. Tratam-se de dados inéditos que permitem compreender as diferentes dinâmicas das áreas de mineração industrial e garimpo e suas relações, por exemplo, com os preços das commodities, com as unidades de conservação e terras indígenas”, afirma Pedro Walfir, professor da UFPA e coordenador do Mapeamento de Mineração no MapBiomas.

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Edição: Eduardo Figueiredo

Revisão: Gustavo Gilona