‘Shantay you stay!’: oficina busca difundir arte drag queen no Amazonas

Aritana Tibira Shaolin e Harmonya Dórémi Jabutt, idealizadoras da oficina 'Eu, Drag Queen' (Reprodução/Projeto Pense Drag)

11 de janeiro de 2024

20:01

Yana Lima – Da Agência Amazônia

MANAUS (AM) – O projeto Pense Drag, com apoio do Programa Manaus Faz Cultura e Conselho Municipal de Cultura, lançou a 2ª turma da Oficina Artística “Eu, Drag Queen”, promovida pelas irmãs drag Harmoya Dórémi Jabutt e Aritana Tibira Shaolin, para revelar novos talentos. Com dez vagas disponíveis, a formação vai ser realizada nos dias 26 e 27 de janeiro, no Instituto Vidas, centro de Manaus. A ideia é desenvolver habilidades de maquiagem, construção de looks, presença de palco e técnicas de performance.

A iniciativa, contemplada pelo edital Manaus Faz Cultura 2023, enfatiza a inclusão, independentemente de identidade de gênero ou orientação sexual. “A arte drag não se limita à identificação de gênero, sexualidade e demais formas de identificação. Então, seja você uma pessoa trans, cis, gay, lésbica, hétero, não-binarie, trabalharemos para que você seja acolhide durante esta formação em um espaço seguro de expressão e aprendizados”, diz o texto de chamada para as inscrições.

Ao contrário do que se pensa, ser drag queen não tem relação com identidade de gênero ou orientação sexual. É uma arte e qualquer pessoa pode mergulhar nesse universo. As drags não vivem montadas no dia a dia. É um personagem, uma expressão artística que pode, ou não, incluir elementos exagerados atribuídos ao sexo feminino. Esta construção de gênero, no entanto, tem extrapolado o feminino e muitas drags, atualmente, apresentam uma estética não binária, ou seja, que não representa o gênero masculino ou feminino.

Aritana Tibira Shaolin e Harmoya Dórémi Jabutt durante a primeira edição da oficina ‘Eu, Drag Queen’ (Divulgação/Projeto Pense Drag)

Segundo Harmonya Dórémi, uma das organizadoras do evento, a abordagem também incorpora elementos de psicanálise para explicar a construção da persona drag e a projeção da personagem, destacando a importância da autoexpressão nessa forma de arte.

Os materiais necessários serão fornecidos pelo projeto, com orientação sobre técnicas, truques e desenvolvimento da persona drag. As inscrições estão abertas e dúvidas podem ser enviadas para [email protected] e [email protected].

Expressão

A primeira oficina foi realizada nos dias 24 e 25 de novembro do ano passado, começando com um momento teórico que abordou diversos tipos de drag, as diferentes formas de atuação e os espaços nos quais uma drag pode se expressar – seja na política, na ciência, nos palcos, nas ruas, lutando por direitos, dentre outros. A ideia é inspirar as estudantes a desenvolverem as próprias práticas artísticas.

Primeira edição da oficina ocorreu em novembro de 2023 (Divulgação/Projeto Pense Drag)

A participação da artista Dani Maresia Souza dos Santos, 21, foi uma jornada de descoberta e expressão. A persona adotada por ela se chama Neblina Colorida, nascida durante o evento Pense Drag e caracterizada por uma estética vibrante que utiliza textos autorais para compartilhar experiências pessoais, vivências e desafios como pessoa trans.

Dani destaca a importância de ir além da percepção superficial da arte drag, demonstrando que por trás do entretenimento há uma pessoa real. “As pessoas agem como se fosse um entretenimento, apenas, mas não é isso. Eu tento mostrar que sou uma pessoa ainda, eu ainda sinto, eu ainda vivencio coisas muito pesadas por ser uma pessoa trans, eu ainda passo por situações muito tristes. Então, eu gosto de colocar tudo isso nos meus textos e expressar isso para as pessoas terem esse choque de realidade de que nem tudo é só uma neblina colorida”, desabafa.

Nebrina Colorida é a drag de Dani Maresia (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Com 23 anos, o universitário Mateus Salazar fez a oficina sem experiência prática de drag, mas com um profundo respeito pela forma de expressão artística. O destaque da oficina, para ele, foi a importância de expandir o conhecimento sobre a arte.

Para o estudante, a drag é mais do que uma simples performance; é uma história, uma forma de expressão que merece ser compreendida e respeitada. “Foi bem importante para mim, porque eu sempre fui muito apreciadora, mas eu não sabia o que era, não sabia a história da arte drag. E me foi passado isso nos dois dias de oficina. No primeiro dia, a gente aprendeu isso, a importância da arte drag, o que é ser drag”, relembrou Mateus.

Cena drag

Harmonya Dórémi faz drag há sete anos. Ela compartilha a cena artística com a irmã Aritana Tibira, escritora e vendedora de contos próprios e que possui seis anos de experiência. Harmonya também é psicóloga, integra performances e cursos montados em sua prática artística, mas mantém a psicologia como profissão principal. A dupla coordena o projeto “Pense Drag”, que combina arte, ciência e intervenções artísticas, incluindo oficinas, estatísticas e apresentações.

Harmonya e Aritana coordenam o projeto ‘Pense Drag’ (Divulgação/Projeto Pense Drag)

Apesar da cena drag em Manaus ainda carecer de articulação, a iniciativa busca expandir a cena na cidade e estimular o surgimento de novas drags e artistas, além de aproximar as pessoas dessa forma de expressão.

Harmonya explica que a arte drag na Região Norte pode refletir na cultura local, ao incorporar, por exemplo, elementos como cores associadas aos bumbás Garantido e Caprichoso, uso de indumentárias indígenas e acessórios artesanais feitos por artistas indígenas para que as drags no Norte transmitam informações culturais por meio de performances.

“O corpo serve como uma tela que vai mostrar para as pessoas que consumirem a arte drag, que é uma arte visual, uma arte performática, também essas informações culturais do nosso meio, do nosso território”, explica Dórémi.

História

Drag queen é um termo que vai além da definição de um homem vestido de mulher. A origem do nome vem do inglês, do verbo “to drag”, que significa arrastar, em inglês, uma referência às longas roupas femininas nos palcos.

A cultura drag evoluiu ao longo do tempo e deixou de ser somente associada a sátiras e comédias, assumindo uma persona mais glamourosa nos anos 60. Durante os anos 70 e 80, as drag queens se tornaram símbolos da luta pelos direitos dos LGBTQIAPN+ (lésbicas, gays, bis, trans, queer/questionando, intersexo, assexuais/agênero, pan, não binárias e mais. Na década de 90, o filme “Priscilla, a Rainha do Deserto” marcou a popularização da expressão artística.

Trailer do filme ‘Priscilla, A Rainha do Deserto’ (Reprodução/Canal Temática Gay/Youtube)

A drag icônica RuPaul se consolidou como uma superstar nos anos 2000 e seu reality show Ru Paul’s Drag Race tem popularizado as drags na cultura pop. Ela é dona de bordões emblemáticos como “shantay, you stay“, frase que a apresentadora diz às vencedoras da batalha de lipsync (dublagem) e “sashay, away“, quando a drag sai da disputa.

RuPaul, ícone da cultura drag, se tornou um divisor de águas com o programa RuPaul’s Drag Race (Divulgação)

No Brasil, a cena drag teve altos e baixos, ressurgindo nos anos 90 com artistas como Márcia Pantera e Sylvetti Montilla. Atualmente, São Paulo é considerada o centro da cena drag brasileira, com festas e uma boate especializada em shows de artistas drags.

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Editado por Adrisa De Góes
Revisado por Adriana Gonzaga