‘Banalização da violência’: mulher ri de tiroteio que deixou três vítimas em Manaus

Um policial militar e outros dois homens morreram. (Divulgação)

22 de abril de 2023

17:04

Ívina Garcia – Da Agência Amazônia

MANAUS – Uma mulher, identificada como Sofia Marjory, postou uma série de stories e fez live durante tiroteio em uma festa na madrugada deste sábado, 22, no Tarumã, zona Oeste de Manaus. Nas publicações, a jovem aparece rindo enquanto se esconde dos tiros. No local do ocorrido, três pessoas foram mortas, incluindo um sargento da Polícia Militar. A publicação gerou revolta nas redes sociais, e especialistas chamaram o episódio de “banalização da violência“.

Gente, está tendo tiro agora, mas eu creio que Deus está conosco“, diz a jovem, enquanto sorri. No fundo, uma mulher, não identificada, pede para que ela pare a gravação. “Mana, para com essa palhaçada. Você está doida. Para com essa imundice, para de filmar!“. Nesse momento, Sofia se retira do local onde estava abrigada com outras pessoas e caminha para o lado externo da festa.

Ainda durante a live, Sofia chega a gritar “Uhuul, tá tendo tiro aqui, gente“, intercalado por repetições de “Eu estou tranquila” e “Jesus está conosco“, em tom de ironia. Outra mulher chega a derrubar o celular de Sofia no chão.

Eu não tenho medo né, já estou acostumada com isso, meu bairro é perigoso. […] Tá tendo tiro, tá morrendo gente, mas Deus está conosco. Tchau, gente, tá tendo tiro aqui, na festa, mas ta tudo bem, ninguém morreu ainda, beijo“, finaliza a jovem em vídeo que conta com mais de 6 mil visualizações no perfil original e 150 mil em uma página de fofoca no Instagram. Nos comentários, diversos internautas repudiaram a divulgação do vídeo. “Sem noção mesmo“, escreveu um. “A que ponto um ser vivo chega para ‘biscoitar’. Deplorável!“, comenta outro.

Veja vídeo:

O sociólogo e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam) Luiz Antônio Nascimento criticou a normalização de episódios violentos como o registrado nesta madrugada. Para ele, é preciso discutir que tipo de sociedade queremos construir e o que conseguimos com esse tipo de publicação.

Quem ganha com esse tipo de postagem? Quem ganha com esse tipo de visualização? As plataformas ganham, mas o que a sociedade ganha? Não ganha nada. O que essa juventude precisa fazer é passar a utilizar ferramentas para denunciar a violência e exigir que a sociedade responda de forma democrática e civilizada a essa violência que se tornou banalizada“, pontua.

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Luiz lembra que a maioria dos homicídios que ocorrem no Brasil tem como vítimas jovens até 30 anos e no caso de mulheres. A maioria é morta por pessoas de sua convivência, sejam parentes, ex-namorados ou amigos. Para ele, a escalada de violência tem sido reflexo de uma sociedade acostumada a conviver com conflitos.

Há mais de 20 anos estamos sendo bombardeados por programas sensacionalistas diariamente, quase sempre uma ou duas vezes ao dia, além dos programas de rádio nas manhãs, que verbalizam e noticiam essa vida violenta de tiroteios e mortes nas periferias dos grandes centros urbanos, então virou normal. No conceito sociológico de normalidade, a ideia de que, como essa menina, as pessoas já cruzaram com inúmeros corpos baleados nas ruas, como ela mesma disse, que é normal isso“, avalia o sociólogo.

O sociólogo afirma ainda que as redes sociais trouxeram a possibilidade das pessoas reproduzirem imagens que antes eram publicadas apenas pela imprensa. Isso fez com que muitas situações violentas acabassem se tornando corriqueiras, por conseguirem empregar mais destaque.

O que precisamos dar conta, como sociedade, é em como a gente pode reduzir essa violência que está introjetada na sociedade, e, sobretudo, nas periferias, o Brasil continua registrando mais de 40 mil homicídios por ano e a maioria desses homicídios não estão em áreas nobres, eles estão em periferias, e o que essa moça faz é verbalizar que aquilo que é tão normal no cotidiano dela“, destaca.

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Revolta nas redes

Nas redes sociais, internautas criticaram a live. O pai de santo Pai Jorge afirmou que a publicação foi o “cúmulo da banalização da vida e da morte“. “Criou-se uma geração de esquizoides, de seres coisificados (deixam de agir como pessoas e se transformam em “coisas” que andam e falam, mas o fazem dissociados da realidade. Perdeu-se a noção do perigo. Viver e morrer tanto faz”, publicou ele.

Internautas criticaram a banalização da vida e da morte. (Reprodução/ Instagram)

REVISTA CENARIUM entrou em contato com Sofia e questionou se ela estava arrependida de ter publicado os vídeos e o que achava sobre as críticas que estava recebendo, mas não recebeu resposta até o fechamento dessa matéria.