24 de julho de 2021
21:07
Déborah Arruda – Da Cenarium
MANAUS (AM) – Bandeirante reconhecido e homenageado por ter descoberto grandes minas de ouro em São Paulo, onde hoje é a região de Minas Gerais, Manuel Borba Gato é visto como herói por muitos paulistas. Porém, seu passado é controverso e marcado por uma realidade de muita violência. Os bandeirantes eram responsáveis por capturar e escravizar indígenas, além de destruir os quilombos, nos sertões brasileiros.
O historiador amazonense Rafael Oliveira explicou que, naquela época, eram realizados dois tipos de bandeirantismo: bandeiras de apresamento e sertanismo de contrato. Na primeira metade do século XVII, as bandeiras de apresamento eram intensas porque a chegada dos holandeses no litoral nordestino dificultou o tráfico negreiro, fazendo com que os indígenas se tornassem uma alternativa. Muitos indígenas foram mortos durante o processo de escravidão.
“Ele [Borba Gato] está inserido em um contexto das chamadas bandeiras de apresamento e sertanismo de contrato. A diferença é que a bandeira de apresamento era um tipo de bandeirante que entrava no sertão em busca de capturar e escravizar indígenas. E o sertanismo de contrato refere-se à entrada no sertão a fim de descobrir e destruir os quilombos, onde estavam os escravos fugidos. Ele se insere nesse contexto, juntamente com Domingos Jorge Velho, responsável por destruir o Quilombo dos Palmares. O bandeirante, independente de quem for, é o ícone do herói paulista”, disse o historiador.
A busca pelo ouro
Borba Gato foi reconhecido por ter dado origem ao ciclo do ouro no Brasil. Naquele período, um dos pontos defendidos pelos bandeirantes era a livre busca por metais e pedras preciosas, tanto que ele também participou da expedição com Fernão Dias, em busca de esmeraldas. Segundo o historiador Cleomar Lima, naquela época, a Coroa Portuguesa buscava uma alternativa para a crise e as dívidas que se acumulavam. Neste período, a economia não tinha uma exportação forte e era voltada ao comércio local, como feijão e mandioca.
“No final do século XVII começaram os rumores de que ele havia encontrado ouro no interior de São Paulo, naquela época não existia Minas Gerais. O governo português vivia uma crise muito séria, eram dívidas e mais dívidas. Eles queriam que tivesse uma nova atividade econômica que viesse suprir a necessidade do absolutismo português. Realmente, Borba Gato foi quem descobriu o ouro no Brasil”, explicou.
Antes de divulgar o conhecimento das minas de ouro, Borba Gato foi confrontado por Rodrigo de Castelo Branco, funcionário da Coroa Portuguesa. Naquele momento, após um desentendimento, o bandeirante assassina Castelo Branco e passa a viver em fuga. Após anistia, passou a ser funcionário do governo português.
“Um funcionário da coroa portuguesa chamado de ‘intendente das minas’ começou a pressionar Borba Gato para que ele contasse onde estavam as minas. Borba Gato acabou assassinando esse funcionário. Para fugir da justiça, da punição, Borba Gato foge para a região central de Minas Gerais e passou a viver escondido, cerca de 15 anos, em uma aldeia de índios, sem uma viva alma branca. Foi nessa época que ele descobriu o ouro, as minas de ouro. Veio um outro intendente, um corrupto, que acaba perdoando o Borba Gato, que virou funcionário do governo português, posteriormente”, destacou o historiador.
Protestos contra homenagens
Com a reviravolta, Borba Gato passou a ser exaltado pelos paulistas e, em 1963, teve uma estátua construída em sua homenagem, na região de Santo Amaro, em São Paulo. A estátua foi alvo de diversas críticas e protestos. No ano passado, manifestantes jogaram tinta no monumento. E, neste sábado, 24, um grupo ateou fogo no local.
A homenagem ao bandeirante é reflexo da influência dos mais favorecidos por seu trabalho: a elite, conforme afirmou o historiador Aguinaldo Figueiredo. “É uma homenagem patrocinada pela elite que se beneficiou dessas violências, da exploração descomedida, do abuso de status de poder, da naturalização da crueldade e da indiferença com os mais vulneráveis”, explicou.