Dia Internacional da Luta Contra a Discriminação Racial: compreensão sobre tema ainda é rasa

(Reprodução/Wikimedia commons)

21 de março de 2021

08:03

Priscilla Peixoto – Da Revista Cenarium

MANAUS- Neste domingo, 21, é celebrado o Dia Internacional da Luta Contra a Discriminação Racial. Por essa razão, a REVISTA CENARIUM conversou com uma especialista em Cultura e Direitos Humanos para ponderar sobre questões da realidade vivida por negros, além de também fazer uma reflexão sobre a data instituída pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1966, em memória ao ano histórico, que deixou marcas sangrentas na sociedade.

O Massacre ocorrido em Shaperville, em Johanesburgo, na África do Sul, em 1960, tirou a vida 69 pessoas que foram friamente executadas pelo exército e feriu outras 186 durante uma manifestação pacífica contra leis de segregação racial no País. Na ocasião, 20 mil negros protestavam contra a Lei do Passe, que obrigava a portar cartões de identificação que demarcavam as áreas que eles poderiam transitar.

Para a professora de Direitos Humanos, Cultura e Psicologia da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Iolete Ribeiro da Silva, a data é um compromisso universal rumo a uma nova sociedade acolhedora. No entanto, apesar dos debates mais amplos sobre o assunto, ela considera que as medidas de combates aos racismos são fracas e rasas.

“Nos últimos dois anos tem se falado mais sobre o assunto, mas ainda não há uma reflexão mais séria em relação a isso. Tanto que há muitas controvérsias quando, por exemplo, a pauta é política de cotas. Pessoas que são beneficiárias desse sistema sofrem preconceitos, isso só demonstra o quanto ainda é rasa a compreensão dos efeitos do racismo, do racismo estrutural e como não conhecemos a fundo nossa história, não compreendemos a desigualdade que está colocada hoje e como ela se vincula à questão da discriminação racial”, pontua a educadora.

A data instituída pela ONU em 1966, em memória ao ano histórico que deixou marcas sangrentas na sociedade
(Reprodução/RyanJLane/Getty Images)

Velho racismo, novas formas de manifestá-lo

A declaração da ONU sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial conceitua no Artigo 1º, que discriminação racial significa “qualquer distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada na raça, cor, ascendência, origem étnica ou nacional com a finalidade ou o efeito de impedir ou dificultar o reconhecimento e exercício, em bases de igualdade, aos direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou qualquer outra área da vida pública”.

Se imagine indo ao supermercado para fazer uma simples compra e, de repente, perceber que o segurança do estabelecimento está lhe seguindo como se você fosse cometer um assalto a qualquer momento, ou não conquistar a tão sonhada vaga de emprego mesmo que você tenha capacidade e formação suficiente para tal só porque sua pele não é clara. Imagine que você seja ator ou atriz e não consiga fazer papéis de destaques em produções audiovisuais, porque, mesmo sendo talentosa (o), a sua imagem não é bem aceita pelos tais “padrões de beleza” e você “retinta (o) demais”. Imagine ter seus traços ridicularizados, seu cabelo tido como “ruim” por séculos e ser alvo de chacotas por conta do tom de pele desde a infância.

Pois é, todas as questões citadas acima ainda fazem parte da dura realidade vivida pelos negros nos tempos atuais, principalmente no Brasil, País onde o racismo é algo presente desde o período colonial. Nos exemplos nem foram citados os casos de morte e violências físicas e psicológicas sofridas pelos negros no tempos da escravidão, pois ainda que o chicote e o tronco não sejam mais usados, as variadas formas de agressão são pertinentes.

“É uma data de compromisso universal rumo a uma sociedade acolhedora”, diz a psicóloga Iolete Ribeiro (Reprodução/Arquivo Pessoal)

Políticas necessárias

De acordo com Iolete, é necessário que se tenha políticas especiais e afirmativas que vão além das conhecidas cotas e compreender que o racismo está vinculado a preconceitos como o classismo e o machismo que acabam hierarquizando as relações na sociedade impedindo a equidade em termos de direitos para cidadãos e cidadãs. Para ela, ações de fomentos no mercado de trabalho, na própria política e na área educacional são iniciativas fundamentais para a mudança do cenário discriminatório atual.

“É preciso ter politica de promoção de emprego para jovens negros e negras, também necessitamos de apoio especiais de permanência nas instituições de ensino, pois não basta somente ingressar, é preciso permanecer e concluir a graduação com rendimento no processo de aprendizagem. As pessoas têm que se atentar que a cota por si só não paga a dívida histórica que o País tem com a população negra” explica.

Além das políticas voltadas para a educação, a psicóloga ressalta ainda o campo da saúde se não for assistido, também é um fator que contribui para a cenário desigual e de discriminação entre a população. “Existe um programa nacional de atenção a população negra que olha doenças que são mais frequentes entre negros e negras e esse programa quase não é assistido pelo governo federal e muito menos conhecida no país. É importante também investir nela”, revela.

Assumir que o racismo não pode ser presente na sociedade é o primeiro passo para uma luta contra discriminação.(Reprodução/Internet)

Erradicar é preciso

Entender que não basta somente assumir que o racismo não pode ser presente na sociedade, é o primeiro passo para uma luta contra discriminação. Ser proativo junto à causa e perceber que não basta não ser racista e ser também antirracista implica em aprender que todos nós estamos mergulhados em uma sociedade que discrimina e, para descontruir este mal é necessário repensar práticas, linguagens e culturas.

Além das políticas e ações em combate à discriminação implementadas pelo governo, a formação do cidadão no seio familiar faz parte da peça chave para virar este jogo, afinal, ninguém nasce discriminando o outro pelo tom de pele, gênero, religião ou classe social. Muitos dos episódios racistas que testemunhamos é fruto de uma educação preconceituosa, pois como afirmava o filósofo Immanuel Kant Kant: “O ser homem não é nada além daquilo que a educação faz dele”.

” É uma questão de solidariedade que ultrapassa problemas individuais. É uma questão de todos, independente de cor de pele, de classe social, orientação sexual, identidade de gênero ou qualquer outra foram de categorização que se utilize para as pessoas. Portanto, o resgate, o estudo, aprofundamento nos ajuda a construir uma sociedade que respeita a todos”, finaliza.