Educação Infantil: escola inclusiva é solução para evitar evasão de crianças com deficiência

Nesta quinta-feira, 25, é comemorado o Dia Nacional da Educação Infantil. (Getty Images)

25 de agosto de 2023

13:08

Marcela Leiros – Da Agência Amazônia

MANAUS – Arquitetura padrão para receber crianças sem deficiência, com espaços, brinquedos e materiais pedagógicos pouco acessíveis, assim como equipe pedagógica despreparada, são alguns dos motivos que levam famílias de crianças com deficiência a optarem por não “investir” em escolas. Isso acaba levando à evasão escolar desses estudantes. Por isso, é de suma importância a implementação de escolas inclusivas, que beneficiem todas as crianças, com e sem deficiência, principalmente na primeira infância, que compreende o período dos 0 aos 5 anos.

Nesta quinta-feira, 25, celebra-se o Dia Nacional da Educação Infantil, um dos três marcos comemorativos que conferem a agosto um status significativo no âmbito educacional. O primeiro ocorre em 7 de agosto, quando é celebrado o Dia Internacional da Educação; o segundo, em 11 de agosto, comemora o Dia do Estudante; e finalmente, o dia 25, que se destaca como um momento de reconhecimento da importância da educação infantil. Essa data foi selecionada para prestar homenagem à médica pediatra e sanitarista Zilda Arns, cuja vida foi dedicada ao trabalho assistencial em prol das crianças.

O estudo “Inclusão, equidade e desigualdades entre estudantes do ensino fundamental de escolas públicas no Brasil“, elaborado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em parceria com a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), divulgado em 2022, apontou que as matrículas de pessoas com deficiência em escolas públicas no Brasil cresceram nos últimos anos, mas grande parte desses estudantes acabou deixando o ensino regular.

De acordo com o estudo, 1,9% das matrículas no ensino fundamental em 2013 eram de pessoas com deficiência. Em 2017, o número subiu para 2,9%. Porém, nos anos iniciais e finais do ensino fundamental, houve uma diferença de -43,4% nas matrículas, em 2013. A diferença diminuiu em 2017, chegando a -34,9%.

A pesquisa apontou, ainda, as diferenças regionais: a Região Sul, em especial o Estado do Rio Grande do Sul, concentrou a maior parte dos estudantes com deficiência, seguido pela região Centro-Oeste. No Sudeste e Nordeste, a média era baixa, com muitas variações dentro das regiões. O Norte tinha o menor número de matrículas.

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A doutora em Educação e autora do livro “O trabalho da coordenação pedagógica na contemporaneidade”, Míriam Amaral, analisa que a Educação Infantil, como primeira etapa da Educação Básica, e é oferecida em creches e pré-escolas, deve ser uma política pública prioritária para qualquer instância de governo. Quanto a crianças com deficiência, para ela, a Escola Infantil precisa quebrar paradigmas do capacitismo e repensar seus projetos pedagógicos, alinhados a uma educação inclusiva.

A criança com deficiência, com transtornos do espectro autista e com altas habilidades/superdotação deve receber, para além da oferta de educação infantil nos espaços das creches e pré-escolas, um atendimento educacional especializado baseado nas suas necessidades e potencialidades genuínas, da sua faixa etária e do estágio de desenvolvimento psicológico o qual se encontra“, explica a doutora.

Ela afirma também que: “Exemplo: se é um bebê com deficiência visual (baixa visão ou com cegueira total) de 2 anos, este se encontra num estágio de desenvolvimento que deve ser estimulado suas capacidades motoras, de autoconhecimento, de percepção porque seu principal estímulo será por meio dos seus sentidos remanescentes como audição, movimento tátil, estímulos olfativos, e afins“.

Educação e desenvolvimento

Maria Vitória Gomes de Souza, de 14 anos, precisou enfrentar obstáculos até encontrar o lugar acolhedor onde estuda desde os 8 anos, a Escola Municipal Educacional Especial André Vidal de Araújo, no bairro Nossa Senhora das Graças, Zona Centro-Sul de Manaus. A mãe dela, Lucélia Diogo Gomes, conta que já chegou a ouvir, em outra escola, que a filha “não aprenderia nada porque não teria ninguém para ajudá-la“.

“Fui à escola onde a minha outra filha, que é gêmea da Maria Vitória, estudava e eu fui muito maltratada. Um rapaz que trabalhava na secretaria me disse ‘você vai matricular a sua filha, você vai tirar a vaga de duas crianças‘, e outra: ‘a sua filha não vai aprender nada, ela vai entrar na sala e não vai fazer nada, porque não tem ninguém para ajudar ela‘”, conta.

A estudante Maria Vitória e a mãe Lucélia Diogo Gomes (Reprodução/Acervo pessoal)

Na escola atual, a agora adolescente Maria Vitória iniciou com acompanhamento de psicopedagogos, fisioterapeutas, e praticava educação física. Lucélia destaca que o envolvimento e inclusão da filha na escola foi essencial para o desenvolvimento dela. “É essencial hoje a rotina [ da escola], não somente sobre o estudar em si, mas sobre todo o conjunto, a convivência com outros alunos, a rotina de sair de casa e fazer atividades diferentes também“, explica.

Francisco Lucas Melo de Oliveira, hoje com 23 anos, tem paralisia cerebral e Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade. Ele cursa a 3ª fase da Educação de Jovens e Adultos (EJA) na mesma escola que Maria Vitória estuda, e é onde pratica jiu-jítsu, equoterapia, futebol de cadeira, assim como corrida de rua. A mãe Jussara Auxiliadora de Castro Melo também vê a essencialidade da educação inclusiva no desenvolvimento do filho, apesar dos obstáculos.

A maior dificuldade continua sendo locomoção“, explica, lembrando que também tem que lidar com o preconceito. “Não é só meu filho, que usa cadeira de rodas, tem as crianças com síndrome de Down, autistas, que também sofrem com essas dificuldades, de transporte, da aceitação, em lugares públicos a gente é muito discriminado. Enfrentar o mundo aqui fora é muito dolorido, é muito sofrido. Os maiores desafios de toda mãe, toda criança, ou adulto PCD é o preconceito, a falta de humanidade“.

Francisco Lucas (no centro) com a mãe, Jussara Auxiliadora. (Arquivo pessoal)
Acesso a direitos

Míriam Amaral conclui que escola inclusiva precisa atender às necessidades das crianças com deficiência e protagonizar, por meio das interações e brincadeiras, as potencialidades e bagagem de conhecimentos que essa criança traz na sua história de vida. Cada criança precisa ter seu direito de conviver, brincar, participar, explorar, se expressar e de conhecer-se com e entre seus pares.

Uma escola infantil inclusiva é uma escola que beneficia todas as crianças com e sem deficiência, de 0 a 5 anos. É uma escola que tem espaços internos e externos acessíveis, acolhedores, com professoras(es) em constante formação continuada em contexto de trabalho e é uma escola que desenvolve uma diversidade de tecnologias assistivas para atender as necessidades específicas de cada criança, reconhecendo nesta mesma criança, um sujeito titular de direitos. Todas as crianças se beneficiam com a Educação Infantil inclusiva“, finaliza.