Especialista critica proposta de regulamentação do garimpo em terras protegidas no Brasil

Imagens aéreas de garimpo na região do médio Rio Tapajós, Pará, em 2019 (Paulo Basta/Fiocruz)

01 de setembro de 2021

09:09

Iury Lima – Da Cenarium

VILHENA (RO) – O coordenador de Mineração do MapBiomapas, Cesar Diniz, criticou a proposta de regulamentação do garimpo em terras protegidas no Brasil durante entrevista exclusiva nessa terça-feira, 31. Diniz liderou o mapeamento do avanço da atividade garimpeira e revelou dados da atividade extrativista nos últimos 36 anos.

Diniz se refere ao impacto causado para as populações tradicionais e áreas ambientais protegidas como as Unidades de Conservação (UCs) da Amazônia e Terras Indígenas (TIs), onde o garimpo ilegal avançou em assustadores 301% e 495%, respectivamente. A expansão ocorreu de maneira acelerada, atingindo tais índices, principalmente entre os anos de 2010 e 2020.

“Se a taxa de expansão dos últimos 10 anos é esta e se julgarmos que nada será feito para conter, então vamos esperar que a expansão continue. Isso não parece ser algo inteligente, especialmente para um País, como o Brasil, que precisa de suas florestas e de seus povos tradicionais respeitados”, declarou o coordenador do levantamento. 

O coordenador do MapBiomas Mineração, Cesar Diniz, durante entrevista online (Reprodução/Youtube)

Falta controle

Em quase quatro décadas, o aumento da área minerada no País foi de 564%, somando as áreas de garimpo ilegal e de mineração industrial, saltando de 31 mil hectares em 1985 para mais de 206 mil hectares, em 2020. Só a Floresta Amazônica concentra mais de 90% de todo o território explorado.

Cesar explica que o garimpo por si só não é uma atividade ilegal, mas que se trata de um direito constitucional, desde quando respeitados os critérios que priorizem boas práticas. “Para um País que se diz respeitador dos direitos indígenas e conservador ou explorador sustentável de suas florestas, esse não parece ser um caminho inteligente a ser seguido”, continuou Diniz.

“Existem condições ambientais, fiscais, sociais e de localização espacial que precisam ser respeitadas para que o garimpo possa existir de forma legal. E, dentro de Terras Indígenas, não há, sob hipótese nenhuma, a condição de qualquer garimpo dentro dela que seja legal”, afirmou.

Canteiro de garimpo ilegal na região do Rio Uraricoera, na Terra Yanomami, em Roraima, produz clareira de destruição (Divulgação/Isa)

Desmonte

O desmonte e o enfraquecimento de instituições e órgãos fiscalizadores desde que Jair Bolsonaro assumiu o cargo de presidente da República assola o meio ambiente brasileiro. Enquanto “passa a boiada”, as florestas queimam, a superfície de água do País se esvai, e populações tradicionais passam a lutar pela dominância de territórios dos quais, desde que se entende por gente, sempre foram os legítimos donos.

“O enfraquecimento das instituições e órgãos ambientais em nada ajuda no controle de uma atividade que é ilegal. Se você tem uma atividade que ocorre à revelia da lei, você precisa do seu poder combativo, de monitoramento e fiscalização. Se seus órgãos fiscalizadores são enfraquecidos, certamente essa não é uma estratégia razoável para melhorar o combate à invasão de Terras Indígenas”, pontuou Diniz. 

Garimpo ilegal promove a perda de espécies nativas de plantas e animais, além de despejar mercúrio nos rios (Divulgação/Isa)

Impactos

Para o especialista, a prática do garimpo, quando não regulamentada, gera danos que podem ser irreversíveis tanto à natureza quanto ao ser humano. “Em geral, nos garimpos ilegais existe o uso do mercúrio e também de uma mão de obra subespecializada, além de condições laborais fora do padrão esperado e humano. Há, recorrentemente, situação análoga à escravidão, tráfico humano e outras coisas mais”, advertiu.

“O nosso trabalho permite fazer uma fotografia do passado, visitando a evolução do garimpo ao longo do tempo. E isso é uma informação que permite que outros pesquisadores avaliem fatores diversos e complexos. Então, se alguém agora quiser avaliar os níveis de concentração de mercúrio, terá não só os pontos de localização do garimpo, como também a evolução temporal desse garimpo”, detalhou o pesquisador. 

“Pela primeira vez, nós temos um dado que nos conta a história da evolução da mineração no País. Temos mecanismos para avaliar a extensão dessa atividade e tão importante quanto a atividade de mineração é a separação entre mineração industrial e garimpo ilegal. Assim, nós podemos contar histórias mais detalhadas sobre cada tipo de mineração”, concluiu.

O MapBiomas

MapBiomas é uma iniciativa que conta com a participação de ONGs e empresas de tecnologia, apresentando hoje a mais completa coleção de dados relacionados ao monitoramento de transformações do uso da terra no Brasil.

Além da evolução da mineração no País, os inéditos levantamentos da série detalharam, nas últimas semanas, o avanço do fogo, que consumiu quase 20% do território brasileiro e o esgotamento dos recursos hídricos, estimado em 15% em quase 40 anos.