Especialistas defendem medidas preventivas para evitar tragédias em Manaus

Barranco desmoronou na Comunidade Brasilerândia, bairro Jorge Teixeira, Zona Leste de Manaus, levando 11 casas (Ricardo Oliveira/REVISTA CENARIUM)

13 de março de 2023

20:03

Gabriel Abreu – Da Agência Amazônia

MANAUS – O deslizamento de terra que deixou oito mortos na Comunidade Brasilerândia, bairro Jorge Teixeira, Zona Leste de Manaus, por causa das chuvas, poderia ter sido evitado se ações pontuais dos órgãos públicos impedissem ocupações irregulares. Especialistas ouvidos pela REVISTA CENARIUM nesta segunda-feira, 13, apontam, entre as medidas preventivas para evitar desastres, a não construção de casas em locais de riscos. Segundo a Prefeitura, Manaus possui 62 áreas de alto risco.

O Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) vem apontando, desde 2016, a capital Manaus como a que mais recebeu avisos de risco de deslizamentos de terra. De acordo com a última atualização da Defesa Civil do município, a média de chuva, nas últimas 24 horas, foi de 97,2 milímetros (mm), no mês de março é previsto 251mm.

Para o geólogo Rafael Riker é necessário evitar a construção de casas em locais com potenciais de erosão, que é o processo de desgaste, transporte e sedimentação do solo, dos subsolos e das rochas como efeito da ação dos agentes erosivos, como a água e os ventos.

“A melhor maneira de evitar desastres é não construir casas em locais de riscos. Os igarapés são os principais agentes erosivos na região de Manaus. Onde houver igarapé haverá erosão e, consequentemente, deslizamentos. As medidas mitigadoras, como eu falei anteriormente, servem para retardar ou amenizar eventos mais desastrosos, mas, eventualmente, ocorrerão. A melhor medida para evitar acidentes com pessoas é retirar as pessoas dessas áreas de riscos. E evitar que essas áreas sejam ocupadas novamente”, afirmou Rafael.

Barranco desmoronou na Comunidade Brasilerândia, no bairro Jorge Teixeira, Zona Leste de Manaus, levando 11 casas (Ricardo Oliveira/REVISTA CENARIUM)

Para o engenheiro ambiental Amazonino Castro, professor do curso de Engenharia Ambiental do IEAA/Ufam, os alertas de chuvas fortes são essenciais para evitar tragédias. Na noite anterior ao desastre, a Defesa Civil do Amazonas informou que a região de Manaus teria precipitação superior a 100mm ao longo do domingo. Para o professor, os sinais são informações de suma importância para evitar esses tipos de tragédias.

“O monitoramento constante das condições geotécnicas das áreas de risco é essencial. Isso pode ser feito por meio de instrumentação e monitoramento geotécnico, como inclinômetros, piezômetros, extensômetros e medidores de tensão. Esses equipamentos fazem a detecção precoce de movimentações de solo, permitindo a adoção de medidas preventivas antes de ocorrerem os movimentos de massa (deslizamentos de terra)”, frisou.

Medidas preventivas

O professor salienta que o desafio dos órgãos municipais é fazer cumprir o Plano Diretor do município, pois nele são previstos planos para as áreas que não são indicadas a moradias. Muitas vezes, essas áreas são ocupadas por meio de “invasões”, de forma irregular, e a ausência de fiscalização e controle, por parte do poder público, figura-se como um grande desafio para evitar tais ocupações. Com isso, precisam ser tomadas medidas preventivas para que as tragédias provocadas pelas chuvas sejam evitadas.

“Para evitar esses tipos de catástrofes, é necessário adotar medidas preventivas, como a realização de estudos geotécnicos para identificar áreas de risco, implementação de sistemas de drenagem e a manutenção de encostas instáveis. Além disso, é essencial a conscientização da população sobre os riscos associados à ocupação de áreas de risco e a importância da adoção de medidas preventivas”, destacou Amazonino Castro.

Imagens de drone da Comunidade Brasilerândia (Gildo Smith/Cortesia)

Proteção do solo

O geólogo Rafael Riker explica que as erosões e deslizamentos sempre vão ocorrer, e nos períodos de chuvas essas áreas são potencializadas. Segundo ele, as áreas ocupadas irregularmente pela população podem ser evitadas. Uma das soluções é a proteção do solo. Para o geólogo, a vegetação é um ótimo meio de proteção do solo.

“As plantas atuam no sentido de fixação do solo mitigado, na maioria dos processos erosivos. São medidas simples e baratas para conter esse tipo de desastre”, explicou o geólogo.

O geológo explicou, ainda, que as pessoas precisam compreender que o planeta Terra não é estático [parado]. O tempo todo ele vai estar passando por mudanças, naturalmente. “Podemos usar como exemplo a formação da cadeia de montanhas dos Andes, separação dos continentes, terremotos, etc., porém, a maioria dessas mudanças ocorre numa escala de tempo maior do que a existência humana na Terra. O processo de formação de montanhas, por exemplo, dura milhões de anos, e esses processos nunca param”, destacou Riker.

Desobstrução de igarapé

Ao comentar sobre a tragédia que ocorreu no bairro Jorge Teixeira, o ex-prefeito de Manaus Serafim Corrêa (PSB) afirma que a causa do deslizamento de terra na cidade é o assoreamento dos igarapés de Manaus. Ele pede que a Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seminf) realize, no período da seca, a desobstrução de areia da foz do igarapé do São Raimundo, na Zona Oeste da capital amazonense. Segundo ele, há 15 anos, não é realizada.

“A bacia do igarapé de São Raimundo, que é formada pelo igarapé do Franco, pelo igarapé da Cachoeira Grande e pelo igarapé dos Franceses, ele fica retido e vai acumulando areia na saída da foz do igarapé, e isso precisa ser removido, de vez em quando; e, há muitos anos, essa remoção não é feita. Essa é a razão pela qual não há o escoamento que a cidade precisaria ter. Veja que a bacia do Educandos não tem esse problema, porque o igarapé do Educandos, tem uma lagoa de dissipação muito grande e isso facilita o fluxo e o acúmulo de areia na foz do igarapé de Educandos”, explicou Serafim.

Publicação de Serafim Corrêa (Reprodução/Twitter)

Mais chuvas

O Cemaden divulgou, nesta segunda-feira, que devem ocorrer “pancadas de chuvas de intensidade moderada a forte”. Isso aumenta a possibilidade de novas enxurradas e alagações. O Cemaden é vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

A previsão do Instituto Nacional de Meteorologia (INME) é “pancada de chuvas e trovoadas isoladas” para a manhã e tarde desta segunda-feira, 13. Para a noite, o instituto prevê “muitas nuvens com possibilidade de chuva isolada”.

Tragédia em Manaus

O deslizamento de terra que deixou, até o momento, oito pessoas mortas aconteceu por volta das 20h30 desse domingo, 12, no bairro Jorge Teixeira, Zona Leste de Manaus. A Defesa Civil e o Corpo de Bombeiros Militar do Amazonas foram acionados e fizeram o resgate das vítimas. Após o desastre, o prefeito David Almeida (Avante) anunciou a publicação do decreto de calamidade pública.

Entre as vítimas, estão quatro crianças e quatro adultos. Quatro dessas vítimas pertencem a mesma família. Uma pessoa chegou a ser resgatada com vida, mas não resistiu aos ferimentos.

Força-tarefa

As secretarias municipais de Segurança Pública e Defesa Social (Semseg); de Infraestrutura (Seminf); de Assistência Social (Semasc); e de Limpeza Urbana (Semulsp); e Corpo de Bombeiros, iniciaram, junto com os moradores, o que o prefeito classificou como “verdadeiros heróis”, uma força-tarefa para tentar encontrar sobreviventes. A Semasc deu abrigo às famílias de casas próximas ao local do deslizamento.

A Seminf atua, de forma emergencial, no deslizamento de terra, em função das fortes chuvas que atingiram a cidade de Manaus nesse domingo. As equipes trabalham manualmente e com auxílio de retroescavadeiras no local.

Recuperação de áreas

A Prefeitura informou que, ao longo dos últimos dois anos de gestão do prefeito David Almeida (Avante), a Secretaria Municipal de Infraestrutura (Seminf) concluiu dez grandes obras em erosões. O trabalho consiste na contenção do talude e ampliação de sistema de drenagem.

De acordo com o secretário de Obras, Renato Junior, Manaus tem uma particularidade de áreas próximas a erosões que, associadas às fortes chuvas, castigam a cidade e causam estragos. As equipes da Seminf intensificam ações contínuas para reconstruir a capital.

“A erosão é um processo natural e torna-se um problema, com níveis danosos ao ambiente, quando é acelerada pela intervenção errada do ser humano, com construções irregulares e redes de esgoto clandestinas, o que faz estragos triplicados. Temos atuado em várias frentes de obras, com grandes intervenções, para resguardarmos a vida das pessoas que moram em locais de risco, que a gente sabe que não é porque querem e, sim, por necessidade”, afirma Renato Junior.

A Seminf informou ainda que as áreas erosivas foram mapeadas pelo poder público municipal, que nos últimos dois anos, a prefeitura solucionou os problemas de grandes erosões em 15 localidades. Conforme mapeamento da Seminf, outras 62 áreas recebem intervenções.    

As áreas de grandes erosões, que passam por intervenções com serviços de infraestrutura estão nos bairros São Raimundo, conjunto Cidadão Lula, bairro Francisca Mendes, Nova Cidade, Grande Vitória, Mauazinho, Cidade de Deus, Petrópolis, Grande Vitória, Praça 14 de Janeiro e, nesta segunda-feira, os serviços de contenção se estendem aos bairros Jorge Teixeira e Monte das Oliveiras.