‘Municípios da região Norte são os maiores emissores de gás de efeito estufa do Brasil’, dizem especialistas

Membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC) Paulo Artaxo fala das emissões de gases de efeito estufa na região Norte (Reprodução/Internet)

11 de maio de 2021

17:05

Alessandra Leite

MANAUS – O que São Félix do Xingu e Altamira, no Pará, Porto Velho, no Estado de Rondônia e São Paulo, a maior cidade do Brasil, têm em comum? A questão foi levantada em um debate online durante o 1º Seminário Regional do Sistema de Estimativas de Emissões e Remoções de Gases de Efeito Estufa (SEEG) na versão municípios, elaborado no âmbito do Observatório do Clima. Eles são os quatro municípios brasileiros mais emissores de gases de efeito estufa que causam o aquecimento global.

Em 2018, estima-se que a região Norte emitiu ao menos 625,5 milhões de toneladas brutas de gás carbônico equivalente (CO2e), o equivalente a 31,5% do total nacional. O cálculo leva em conta o CO2 e outros gases de efeito estufa, como o metano (CH4).

Em entrevista à6 CENARIUM, o professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Painel Intergovernamental da ONU sobre Mudanças Climáticas (IPCC), Paulo Artaxo, corroborou os dados, ao afirmar que somente a região Norte emitiu, no ano de 2018, 625 milhões de toneladas de dióxido de carbono. “Esses dados são baseados em uma nova análise, feita município por município, que mostram 15 cidades do Norte do Brasil emitindo mais do que as grandes cidades do nosso País, como São Paulo, por exemplo. Isso se dá devido ao desmatamento e por causa das emissões associadas à pecuária”, explicou o especialista.

A iniciativa do SEGG, promovida pelo Observatório do clima, é uma rede formada por mais de 50 organizações da sociedade civil focada em pensar os temas de mudanças climáticas no País, além de mobilizar a sociedade brasileira para o enfrentamento, com o intuito de reduzir as emissões nessas localidades, adaptando-as às mudanças climáticas.

O Observatório do Clima promove encontros com especialistas na área, bem como articula os atores sociais para cobrar do governo brasileiro compromissos com a criação de políticas públicas efetivas em favor da mitigação e da adaptação do Brasil em relação à mudança do clima.

De acordo com a apresentação do coordenador geral do SEEG municípios, o engenheiro Tasso Azevedo, cada município citado acima emite, sozinho, mais do que os Emirados Árabes Unidos emitiram durante todo o ano de 2016.

Ainda conforme a explicação de Azevedo, que também foi o responsável pela criação da metodologia que deu origem ao atual sistema implantado, conhecer as emissões é o primeiro passo em direção a ações efetivas para reduzir a geração de gases de efeito estufa e, assim, contribuir para o enfrentamento das mudanças climáticas e para o desenvolvimento limpo. “Os municípios que mais emitem se encontram na região Norte devido a atividades associadas ao desmatamento. Na agropecuária, os municípios do Centro-Oeste e do Norte estão entre os que mais emitam, principalmente devido ao rebanho de bovinos”, destaca.

Em relação ao mapa abaixo, o coordenador do SEEG municípios explica que, quanto maior o círculo maior a emissão. Já a cor representa o setor que mais contribui com a emissão em cada município:

Agropecuária e Mudança de uso da terra aparecem como principais responsáveis pelas emissões, conforme Observatório do Clima (Reprodução/Youtube)

Ainda segundo Paulo Artaxo, o sistema de emissão de gases de efeito estufa do sistema Mapbiomas, outra iniciativa do Observatório do Clima e do SEEG municípios, mostra “fortemente” que a região Norte é o maior emissor de gás de efeito estufa do Brasil. Para o especialista em mudanças climáticas, trata-se de uma emissão extremamente elevada, sem sequer trazer a contrapartida esperada, que seria o progresso desejado para a região. “Então a região Norte, com certeza, precisa passar por uma análise cuidadosa das suas emissões, de modo a trazer mais benefícios para a população da região e menos emissão de gás de efeito estufa”, analisou Artaxo.

O que são gases de efeito estufa?

Gases como o gás carbônico (CO2), o metano (CH4) e o vapor d’água (H2O) funcionam como uma cortina de gás que vai da superfície da Terra em direção ao espaço, impedindo que a energia do sol absorvida pela Terra durante o dia seja emitida de volta para o espaço. Desse modo, parte do calor fica “aprisionado” próximo da Terra – onde o ar é mais denso – o que faz com que a temperatura média do nosso planeta seja em torno de 15°C. A esse fenômeno de aquecimento da Terra dá-se o nome de efeito estufa. Se não existisse o efeito estufa, a temperatura média na Terra seria em torno de –15°C e não existiria água na forma líquida, nem vida.

Por que SEEG Municípios?

Para o coordenador-geral do SEEG Municípios, Tasso Azevedo, compreender as emissões é fundamental para realizar ações de reduzir ameaças e aproveitar as oportunidades da transformação para um mundo de baixo carbono. Segundo os dados apresentados por ele, menos de 5% das cidades brasileiras já realizaram um inventário de pelo menos um ano de suas emissões.

“Para a maior parte das cidades é dispendioso e muito trabalhoso produzir um inventário, custoso e que envolve bastante energia. Então o que nós nos propusemos foi: será que a gente não consegue gerar uma boa estimativa para todos os municípios de uma vez e com isso a gente facilita o trabalho das cidades para que elas possam já entrar direto nas ações, no seu planejamento para ação climática?”, disse.

Azevedo salienta que, dessa forma, os municípios são poupados de gastar tempo e energia, já restritas, para a questão de contar emissões. “Não que não seja importante ou que a gente substitua o que é feito pelas cidades, mas porque é uma forma de a gente facilitar a trajetória dos municípios para que elas possam se centrar nas ações que vão reduzir as emissões em vez de só se concentrar em fazer conta”, avaliou.

O SEEG Municípios alocou as emissões de gases de efeito estufa em todos os 5.570 municípios brasileiros. O estudo cobre todos os anos de 2000 a 2018 e abrange mais de uma centena de fontes de emissões organizadas em cinco categorias: agropecuária, energia, processos industriais, resíduos e mudança de uso da terra.

O que é e como é feito o SEEG Municípios:

SEEG Municípios é uma plataforma para apoiar a ação climática nos municípios brasileiros a partir de dois componentes:

  • Inventariar as emissões e remoções de gases de efeito estufa
  • Oferecer um cardápio de soluções para mitigar as emissões com desenvolvimento sustentável que é o componente que nós estamos começando a desenvolver agora para ter a primeira versão publicada ainda este ano

Tasso Azevedo explica que, primeiramente, faz-se a estimativa de emissões para o Brasil todo, com base na metodologia dos inventários nacionais e, posteriormente, essas emissões são alocadas para os Estados. “Nós usamos os dados de atividade, como por exemplo consumo de combustíveis fósseis em cada um dos Estados, onde houve alteração de uso do solo, qual o rebanho bovino da localidade, então conseguimos alocar essas emissões em nível estadual. Isso feito, é chegada a vez de fazer a alocação em cada um dos municípios, também com base nos dados de atividades”, detalhou.

O setor de Processos Industriais, conforme o SEEG, é o que tem mais dificuldade de acessar dados de atividade no nível municipal, por serem muito específicos. “Nós precisamos saber onde está cada unidade de produção que emite gases de efeito estufa para o processo industrial, além de precisarmos saber qual o nível de atividade para cada uma dessas plantas que estão distribuídas. Embora represente só 5% das emissões no Brasil, é uma área que desejamos especificar bem porque para o município faz muita diferença”, expôs Azevedo.