No Maranhão, liderança Ka’apor sofre emboscada por promover defesa de territórios

Quatro carros cercaram um outro automóvel onde estavam indígenas da etnia, que não tiveram as identidades reveladas por medo de novos ataques. (Reprodução)

27 de janeiro de 2022

20:01

Iury Lima – Da Revista Cenarium

VILHENA (RO) — “O Povo Ka’apor, da Terra Indígena Alto Turiaçu, principalmente os [integrantes] mais ligados ao Conselho de Gestão Ka’apor, sofreram mais uma ameaça de morte, na cidade de Santa Luzia do Paruá, um dos municípios que o território abrange (…) O povo Ka’apor é um povo que luta há muitos anos contra a invasão de seus territórios e, por conta disso, tem sido ameaçado e tendo, também, vítimas de assassinato”. O relato é do coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Gilderlan Rodrigues. Ele descreve a perseguição sofrida por um dos povos tradicionais do Maranhão e revela a nova emboscada que quase vitimou uma das lideranças da etnia no último sábado, 22.

Quatro carros cercaram o veículo onde estavam indígenas da etnia, que não tiveram as identidades reveladas por medo de novos ataques. Eles conseguiram deixar o veículo, fugiram a pé e encontraram abrigo em um restaurante. Depois, seguiram para uma delegacia, onde aguardaram por duas horas, do lado de fora, mas não foram atendidos. Só foi possível retornar à aldeia depois de entrarem em contato com outras lideranças Ka’apor, que foram até a cidade, e com a Secretaria de Segurança Pública do Maranhão, que garantiu escolta de volta à comunidade tradicional.

Para os indígenas, o ataque foi orquestrado por madeireiros. Uma triste realidade que, há muito tempo, não é mais novidade na região. Para Girderlan Rodrigues, não houve a mesma sorte para “outros Ka’apor assassinados”. “E até hoje não há uma pessoa presa ou respondendo por inquérito”, lamentou o coordenador do Cimi no Maranhão.

Resistência

O ataque do último sábado, 22, é mais um episódio de violência dentre vários que compõem a luta dos indígenas Ka’apor contra invasores de territórios. De acordo com o Cimi, a Terra Indígena (TI) Alto Turiaçu, que faz fronteira com o Pará, com 531 mil hectares, sofre grande pressão de grileiros, caçadores e de empresas mineradoras.

A mais recente emboscada não foi à toa; aconteceu logo após a realização de um evento promovido para fortalecer a proteção territorial das comunidades, que ocorreu no município de Nova Olinda, distante pouco mais de 20 quilômetros do local do atentado. Além disso, os indígenas fecharam um dos maiores ramais madeireiros nas proximidades da TI.

“Por conta disso, esse povo sofreu essa ameaça, né, foram perseguidos na cidade (…) O Território Alto Turiaçu é um dos maiores territórios indígenas do Maranhão. Há muitos anos vem sofrendo invasão madeireira e o povo decidiu não mais aceitar essas invasões e começou um trabalho para enfrentá-las”, disse o coordenador regional do Cimi.

Girderlan ainda destaca outro adversário para a preservação dos ecossistemas da região e o direito territorial do Povo Ka’apor: a omissão governamental. “Infelizmente, a gente tem visto que o governo do Estado que não tem cumprido a fiscalização das serrarias que estão no entorno da área ou de caminhões que saem para os municípios, bem como o governo federal não tem feito nada. Agora a gente acabou de ver um corte que foi feito no orçamento para a fiscalização, na demarcação das Terras Indígenas. Então, isso também significa que o governo federal não tem cumprido seu papel de fiscalização das Terras Indígenas, por meio do órgão responsável, que é a Funai”, criticou.

“Os indígenas estão fazendo a proteção dos seus territórios por iniciativa própria, de forma autônoma. Então, eu acho que é louvável o papel deles de proteger o seu território, de proteger a sua casa dessas invasões que vêm, somente, destruir o território”, concluiu o ativista e coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário. 

Povo Ka’apor fecha ramais madeireiros e lutam para promover proteção do território Alto Turiaçu, no Maranhão (CIMI/Reprodução)

Contexto histórico que se repete

Hoje, o grupo é formado por cerca de 1.800 pessoas. Eles habitam o norte maranhense, mas, de acordo com os registros históricos mais antigos, datados de, pelo menos, 300 anos, esses indígenas tiveram origem na região que fica entre os rios Tocantins e Xingu. Eles falam a língua que leva o mesmo nome da etnia, sendo o único grupo a utilizar o idioma. 

O histórico marcado por embates violentos entre os homens nativos e colonizadores do País, volta a se repetir. Os atuais ataques se assemelham ao cenário de ‘pacificação’, que começou por volta do anos 1900 e resultou na aniquilação de diversas aldeias, visto que naquela época, a etnia era vista como um dos povos originários mais hostis do Brasil.

Sem respostas

A REVISTA CENARIUM entrou em contato com o governo do Estado Maranhão, alvo de cobranças dos Ka’apor, mas não obteve retorno. De igual forma, a Fundação Nacional do Índio (Funai) também não deu esclarecimentos até o fechamento da reportagem.