Novo ‘artigo de luxo’: com preço da carne em disparada, até classes mais altas reduzem consumo na Amazônia
04 de fevereiro de 2022
13:02
Marcela Leiros – Da Revista Cenarium
MANAUS – “Não compro mais [carne] como antes. Hoje é peixe, frango guisado e assim a gente vai levando”. A declaração de Paulo César Barbosa Gaspar poderia ser mais um depoimento de um brasileiro, morador da Amazônia, que precisou adaptar os hábitos alimentares com a alta do preço dos alimentos, principalmente da carne. Mas o empresário e proprietário de dois pontos de venda de churrasco em Manaus (AM), que ganha a vida vendendo carnes prontas, ironicamente, também precisou reduzir, e muito, o consumo desse alimento, quando o lucro e orçamento reduziram.
Quem gosta de comer o brasileiríssimo bife com arroz e feijão ou até mesmo curtir um churrasco no fim de semana sentiu o impacto no bolso, assim como Paulo César. E os números oficiais explicam isso. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo 15 (IPCA-15), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), indicou que os preços da carne voltaram a subir para os consumidores brasileiros entre dezembro de 2021 e janeiro de 2022, com alta da inflação de 0,90% e 1,15%, respectivamente.
“Muita gente [deixou de consumir carne], eu sou um, até para comer em casa”, contou Paulo César à CENARIUM, enquanto aguardava na fila do açougue de um supermercado no bairro Betânia, zona Sul de Manaus. Com o carrinho lotado de carnes destinadas aos seus estabelecimentos comerciais, o empresário explicou que antes comprava uma caixa de frango, com cerca de 10 unidades, por R$ 75 reais. Hoje esse preço chega a R$ 218. Quanto à carne, ele ainda exemplificou o caso da gordura, usada para o espeto do churrasco e que todo cliente gosta de saborear. O quilo, antes, era R$ 10. Hoje, chega a R$ 25.
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“De vez em quando compra uma carne para guisado, uma mais barata. Churrasco de picanha é difícil, não tem condições não”, conta ele sobre o consumo do alimento na sua residência.
O empresário explica que hoje, dois anos após o início da pandemia, o lucro dos pontos reduziu significantemente, impactando diretamente na própria renda da família. Gestor de 12 funcionários, apesar de ganhar um lucro significativo nos pontos, ainda é preciso repassar o valor do pagamento aos colaboradores, arcar com despesas habituais do negócio e, só então, retirar o próximo “salário”.
“Trabalho com isso há 12 anos, mas depois da pandemia foi que a gente sentiu. Antes da pandemia, eu trabalhava duas semanas, tirava R$ 18 mil [de lucro próprio]. Agora nas duas bancas eu não tiro R$ 10 mil no mês. As coisas começaram a ficar caras”, completou ainda.
Do outro lado
Assim como Paulo César, o açougueiro Manoel Quintela de Moura sentiu o impacto da queda nas vendas da carne no seu ponto dentro da Feira Municipal no bairro Japiim, também na zona Sul de Manaus. Trabalhando no local com o ofício desde 1971, ele chegou a vender até oito bois cortados em uma semana. Hoje, é apenas um semanalmente.
“A pandemia veio desempregar muita gente, e o desemprego enfraquece qualquer comércio. Antes da pandemia, vendia na faixa de três bois, hoje é um”, conta ele.
O magarefe, nome tradicional, mas pouco conhecido, dado a açougueiros, ainda lembra os tempos das “vacas gordas”, quando as vendas eram intensas. Mas hoje, conta ele, os pequenos negócios foram “engolidos” pelos grandes supermercados e outras feiras concorrentes. “Cheguei em 71 aqui. Essa feira aqui não tinha condições para acumular o povo que chegava dia de sexta-feira, sábado e domingo. E cortava oito quartos de carne na época, mas tinha gente que cortava 18. Eu cortava uma faixa de 50 frangos, mas aí surgiu outras feiras, supermercados, e aí foi diminuindo”, relembra.
Fala de especialista
O contínuo aumento da inflação desanima o cenário econômico para 2022, que não começou de forma “muito confortável para os brasileiros”, segundo a economista Denise Kassama. Ela destaca que, no orçamento mensal, o brasileiro terá que priorizar os alimentos.
“A inflação de 10,06% em 2021 e uma taxa Selic de 10,75%, a baixa atividade econômica e um crescimento inexpressível, assinalam que 2022 não será um ano fácil. Por conta de tais indicadores, a expectativa é que este ano seja o crescimento econômico seja baixo ou mediano e alto custo de vida. Com a inflação acima de 10%, o brasileiro deve priorizar o consumo de itens de primeira necessidade, como alimentos. E nesse sentido, a cesta básica de Manaus configura entre as mais caras do país, que segundo a FGV, registrou uma alta de 7,8%”, explica Denise.
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A economista ainda dá dicas de como economizar nas compras do mês. “Nesse sentido, realizar pesquisas de preços é fundamental para buscar preços mais accessíveis. Buscar alternativas aos hábitos de consumo, principalmente os alimentares também ajudam bastante. Carne de porco ou frango podem ser mais baratas que a bovina. Manter uma planilha de ganhos e gastos mensais também ajuda a controlar o orçamento e trabalhar para reduzir os custos mais altos. Não é fácil, mas também não é impossível”, finaliza.