Os desafios ambientais de Belém: um vislumbre da cidade-sede da COP30

Do lado esquerdo, descarte irregular de lixo; e ao lado direito, o Mercado Ver-o-Peso (Composição: Weslley Santos / Agência Cenarium)

27 de março de 2024

14:03

Monica Piccinini – Especial para Agência Cenarium**

Antes de sediar a COP30 em 2025, Belém, a capital do Pará, no Norte do Brasil, é confrontada com uma série de questões prementes, desde o saneamento insuficiente e a criminalidade generalizada até a poluição e aos sem-abrigo, suscitando dúvidas sobre sua preparação para assumir a liderança na plataforma internacional.

Dados recentes do Censo Demográfico 2022, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), revelam que aproximadamente 212.370 indivíduos, correspondendo a 16% da população de Belém, vivem atualmente em condições de saneamento inadequado.

Leia em inglês: Belém’s Environmental Challenges: A Glimpse into COP30 Host City
Vista aérea de bairro em Belém com área de descarte irregular de lixo (Márcio Nagano/Revista Cenarium)

Ivan Costa, presidente do Observatório Social Brasileiro (OSB), uma organização não governamental com sede em Belém, explicou:

“Abordar a questão do saneamento não é uma solução rápida, dada a sua complexidade. Exige planejamento meticuloso, investimentos significativos e o estabelecimento de mecanismos regulatórios e de fiscalização do saneamento, áreas atualmente carentes em Belém”.

“Em relação ao sistema de esgoto, essa é uma questão crucial. Em Belém, vários canais foram preenchidos indevidamente e sem fiscalização, tornando-se locais para diversos resíduos que poluíram toda a área, resultando em efeitos adversos ao meio ambiente e à saúde dos moradores”.

Segundo estudo realizado pelo Instituto Trata Brasil, Belém está entre as cidades com piores níveis de saneamento básico.

Diversos artigos publicados pela REVISTA CENARIUM destacam questões que impactam Belém e seus bairros. Incluem serviços inadequados de coleta de lixo e os desafios que cercam os aterros de Marituba e Aurá, que servem como locais de destinação de resíduos gerados na região metropolitana.

Aterro sanitário em Belém (Márcio Nagano/Revista Cenarium)

Rodolfo Salm, doutor em ciências ambientais e professor da Universidade Federal do Pará (UFPA), explicou:

“Belém é uma cidade que deixa uma forte impressão, principalmente pelo seu impressionante problema de resíduos. A abundância de lixo, especialmente em zonas propensas a inundações, é simplesmente esmagadora. Lixo pode ser encontrado em todos os cantos”.

“A situação em Belém e na minha cidade natal, Altamira, é profundamente desanimadora e preocupante. Há um afluxo significativo de pessoas que chegam à região com a esperança de enriquecer rapidamente por meio de empreendimentos destrutivos como mineração, apropriação de terras e exploração madeireira. Embora a intenção inicial seja acumular riquezas e partir, muitos acabam ficando. A região carece de infraestruturas adequadas para apoiar as populações mais vulneráveis, deixando-nos enraizados neste ciclo de degradação”.

Aterros

Criado em 2015, o aterro de Marituba recebe cerca de 500 mil toneladas de resíduos por ano de Belém e municípios vizinhos. Originalmente programado para fechar em 2019 por atingir sua capacidade máxima, foi concedida uma prorrogação, permitindo a continuidade de suas operações até fevereiro de 2025.

Aurá é outro aterro que iniciou suas operações em 1990. Apesar da desativação, continua recebendo milhares de toneladas de resíduos provenientes de áreas industriais e urbanas da cidade de Belém.

Apesar do odor desagradável que emana do aterro, inúmeras famílias que moram nas proximidades ganham a vida coletando resíduos descartados e itens diversos, como garrafas plásticas e sucata. Algumas crianças das redondezas procuram frequentemente alimentos descartados para complementar as suas refeições diárias.

“Não existe um sistema de coleta seletiva de lixo estabelecido, nenhuma área designada para instalação de um novo aterro e falta educação pública sobre limpeza da cidade. Atualmente enfrentamos uma situação desafiadora”, explicou Costa.

Belém não cumpriu a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e a Lei Federal 12.305/2010, que determina o fechamento de todos os aterros sanitários do País até 2 de agosto de 2014.

Impacto social, de saúde e ambiental

As ruas de Belém estão repletas de entulhos e resíduos não recolhidos, criando assim condições para a propagação de doenças, representando riscos significativos para a saúde pública e potencialmente sobrecarregando os serviços de saúde.

No Brasil, Belém é a capital com maior percentual de domicílios com lixo não coletado, impactando cerca de 35.739 indivíduos, segundo dados do IBGE. Os residentes recorrem frequentemente à eliminação de seus resíduos por meio de métodos como a queima, a deposição de lixo em espaços públicos, terrenos baldios ou mesmo o enterramento.

Achados do levantamento realizado pela Universidade Federal do Pará (UFPA) indicam que a concentração do gás sulfeto de hidrogênio emitido pelo aterro de Marituba é 30 vezes maior em seu entorno. A exposição a esta substância pode resultar em sintomas como tosse, falta de ar, ardor nos olhos e na pele, fadiga, perda de peso, insônia e inflamação geral.

Crianças brincam em meio ao ‘lixão’ (Márcio Nagano/Revista Cenarium)

Segundo pesquisa da UFPA, a inalação de odores desagradáveis ​​emanados do aterro de Marituba tem sido associada a doenças respiratórias e outras na população. O estudo também revelou o descontentamento dos moradores com a poluição dos cursos de água, a depreciação de suas propriedades e a deterioração da qualidade do ar atribuída ao aterro de Marituba.

O relatório da UFPA indicou ainda que a existência do aterro de Marituba é resultado de má gestão de recursos públicos e serve como exemplo de alerta a ser evitado.

Outro problema preocupante que impacta as ruas de Belém é a falta de moradia. Segundo dados da Fundação Papa João XXIII (Funpapa), estima-se que entre 2.500 a 3.000 indivíduos vivam nas ruas da cidade. Em todo o Estado do Pará esse número chega a aproximadamente 22.000.

Além disso, dados de uma pesquisa realizada pelo Vigisan, aplicativo focado no monitoramento da segurança alimentar e nutricional no Brasil, indicam que cerca de 53,4% da população do Estado do Pará vivencia níveis moderados a graves de insegurança alimentar.

Desafios como a criminalidade, as preocupações relacionadas com as drogas e as questões de saneamento afetam persistentemente alguns dos pontos turísticos mais emblemáticos de Belém, incluindo o complexo do mercado Ver-o-Peso. Tanto os visitantes como os trabalhadores locais relatam estes desafios contínuos, indicando uma negligência de longa data do local e uma necessidade urgente de renovação.

Praça de alimentação no Mercado Ver-O-Peso (Márcio Nagano/Revista Cenarium)

O sistema de transporte público de Belém também está um caos, o que representa outro obstáculo substancial. Os moradores criticam fortemente a expansão do sistema Bus Rapid Transit (BRT), que está em andamento desde 2012. O BRT opera em um modelo de transporte público de média capacidade, com veículos trafegando em faixas exclusivas, incluindo estações designadas para embarque rápido de passageiros. Contudo, o sistema não consegue atender às demandas da população e permanece incompleto.

Preocupações com os direitos ambientais e indígenas

O anfitrião da COP30 deveria demonstrar liderança global na abordagem das preocupações ambientais, mas parece que tanto o Estado do Pará como o Brasil têm progressos significativos a alcançar para chegar a esses objetivos.

Costa compartilhou suas reflexões sobre o debate sobre a preservação ambiental na região:

“Atualmente, observamos uma contradição entre defender a preservação da “floresta em pé” perante a comunidade internacional e retratar-nos como protetores da floresta, enquanto há um cenário de violência contra aqueles que realmente trabalham para protegê-la. Grupos econômicos e até entidades criminosas exercem influência, confiscando violentamente terras públicas”.

No dia 5 de fevereiro, a REVISTA CENARIUM divulgou matéria expondo detalhes inquietantes das operações ilícitas de garimpo ocorridas no Estado do Pará. Com base em dados fornecidos por órgãos governamentais, organizações ambientais e em um processo civil conduzido pelo Ministério Público Federal (MPF), foi revelado que mais de 2.000 garimpeiros atuaram em 100 locais de extração de ouro, espalhados por 41 pistas de pouso clandestinas na Floresta Estadual do Paru (Flota do Paru).

Garimpo fiscalizado pelo ICMbio na área da Floresta Estadual (Flota) do Paru, que usa técnica de depuração à base de mercúrio (Reprodução/ICMBio)

A Flota do Paru abrange uma área de aproximadamente 3,6 milhões de hectares. Criada em 2006, esta reserva de conservação está sob jurisdição do Governo do Pará e administrada pelo Instituto de Desenvolvimento Florestal e Biodiversidade do estado do Pará (Ideflor-Bio).

O Ideflor-Bio emitiu licença para a mineradora Mineração Carará LTDA., permitindo suas operações dentro da área de conservação Flota do Paru. Esta decisão despertou preocupações quanto à sua dedicação genuína à preservação ambiental, estabelecendo assim um precedente negativo para o Brasil e a comunidade global.

Segundo estudo do Greenpeace, em 2023, a atividade garimpeira causou a destruição de 1.410 hectares nas Terras Indígenas (TIs) das comunidades Kayapó (Pará), Munduruki (Pará) e Yanomami, o equivalente à abertura de quatro campos de futebol por dia.

O garimpo ilegal não é a única preocupação que impacta o Estado do Pará. De acordo com relatório da Mighty Earth, o Pará se destaca como o segundo maior Estado da região amazônica em alertas de desmatamento e degradação em fazendas com histórico de cultivo de soja, respondendo por 23% da área total de soja do Brasil em 2023.

A extração de óleo de palma destinado à produção de biocombustíveis no Pará apresenta ainda outro problema significativo. A investigação da Global Witness revelou alegações contra a Agropalma e a Brasil Biofuels (BBF), duas importantes empresas brasileiras de óleo de palma, pelo seu alegado envolvimento em conflitos com comunidades locais no Pará.

As plantações de palmeiras no Estado do Pará ocupam uma área antes coberta por floresta tropical, totalizando aproximadamente 226.834 hectares, quase equivalente ao tamanho de Luxemburgo.

Investimentos

Os moradores de Belém estão ansiosos pela COP30, prevendo que ela trará investimentos e melhorias para enfrentar as diversas questões sociais, de saúde e ambientais que encontram na região.

Costa discutiu seu ponto de vista sobre a alocação de investimentos, conclusão de projetos e maior envolvimento da sociedade civil na região:

“Há uma elite econômica tradicional preparada para se beneficiar de um evento desta magnitude, a COP30. Ao mesmo tempo, vemos o surgimento de líderes altamente comprometidos que podem fazer a diferença neste momento, incluindo grupos da periferia, jovens e comunidades tradicionais”.

“Além disso, começamos a receber inúmeros recursos, mas é fundamental entender como eles serão utilizados para evitar uma situação como a dos “cemitérios” deixados após a Copa do Mundo, onde projetos inacabados deixaram um legado prejudicial.”

Recentemente, a cidade de Belém assinou um contrato avaliado em cerca de US$ 140 milhões com a Ciclus Amazônia, uma empresa de gestão de resíduos sólidos, para enfrentar a desafiadora situação dos resíduos na cidade. Este acordo cobre esforços de coleta, tratamento e reciclagem de resíduos. A Ciclus Amazônia garantiu o contrato por meio de licitação para estabelecer uma Parceria Público-Privada (PPP) de 30 anos.

Vista aérea da orla de Belém (Márcio Nagano/Revista Cenarium)

Desde meados de 2023, em antecipação à COP30, o governo federal anunciou diversas iniciativas de investimentos para Belém. Parte desses recursos, aproximadamente US$ 1 bilhão, será fornecida pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Apesar dos anúncios de investimentos significativos para a região, continua a existir um certo nível de ceticismo em relação aos projetos planejados, à sua capacidade de cumprir os prazos e, em última análise, à sua conclusão. Isto inclui iniciativas como a reestruturação dos principais canais que atravessam a cidade e a expansão do sistema BRT.

Há dúvidas sobre se haverá tempo suficiente para concluir e entregar com sucesso todos os projetos programados antes do início da COP30, uma vez que a maioria destes projetos ainda não foi iniciada.

Costa apresentou suas últimas reflexões sobre as implicações da COP30 para Belém e para a região:

“Qual será o impacto duradouro da COP30 na cidade de Belém e região circundante, especialmente para as comunidades mais vulneráveis? Estas são as comunidades que mais necessitam de mudanças e melhorias significativas que melhorem a sua qualidade de vida e beneficiem o ambiente”.

“Nosso objetivo não é repetir a experiência da “Rio 92”, mas sim estabelecer um legado positivo para a região e para o mundo, algo de que podemos genuinamente nos orgulhar.”

Abaixo seguem algumas das declarações do porta-voz do gabinete de Helder Barbalho, governador do Pará:

O Governo do Pará está com diversas obras de macrodrenagem para prevenir inundações e alagamentos, tanto no polígono da COP como em áreas periféricas. Entre obras entregues e em execução, temos cerca de 10 bairros e um milhão de pessoas beneficiadas. Os projetos contemplam canais e vias da capital com obras de pavimentação asfáltica, drenagem pluvial, esgotamento sanitário, paisagismo, quadras de esporte, praças, playground e academia ao ar livre.

Sobre a destinação do lixo, essa é uma questão da Prefeitura de Belém, que o governo do Estado tem acompanhado. A Procuradoria-Geral do Estado do Pará foi responsável pelo processo licitatório que a Prefeitura fez recentemente. O contrato com a nova empresa que vai fazer a coleta dos resíduos sólidos do município de Belém já foi assinado pela Prefeitura.”

O Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade (Ideflor-Bio) informa que a empresa possui autorização da Agência Nacional de Mineração (ANM) para realização da atividade. A legislação e o Plano de Manejo da Floresta Estadual (Flota) Paru permitem a atividade de lavra experimental de ouro. Portanto, não há impedimento legal para que a empresa Mineração Carará Ltda solicite a licença ambiental necessária para o projeto, uma vez que a legislação permite empreendimentos minerais em Unidades de Conservação (UCs) de Uso Sustentável, como no caso da Flota Paru. No entanto, não há qualquer licença ambiental de lavra experimental de ouro concedida na Flota do Paru.

Com relação aos garimpos e pistas de pouso clandestinas, o Governo do Pará informa que trabalha de forma integrada com o Ministério Público, Polícia Civil, Militar, Federal e Exército, para desarticular garimpos ilegais em UCs estaduais. Em 2023, equipes da Semas fecharam 42 garimpos ilegais no Pará.”

É compromisso dos governos federal e estadual que a capital paraense sedie a conferência e disponha de infraestrutura e logística adequadas para receber o maior evento de discussão climática do mundo.”

(*) Monica Piccinini é escritora com foco em temas ambientais, de Saúde e de Direitos Humanos.
(*) Este conteúdo é de responsabilidade do autor.
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