Pousadas fechadas e perda de renda são reflexos da seca no turismo de base comunitária no AM

Comunidade Santa Helena do Inglês e Saracá, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro. (Reprodução/FAS)

18 de outubro de 2023

14:10

Marcela Leiros – Da Agência Amazônia**

MANAUS (AM) – O turismo de base comunitária — aquele no qual a comunidade organiza e presta serviços para os visitantes — nas comunidades Santa Helena do Inglês e Saracá, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro, distante aproximadamente 1h30 de Manaus, no Amazonas, é mais um setor que enfrenta os impactos da seca severa dos rios na Amazônia, com ausência de visitantes, pousadas fechadas e risco de desabastecimento de mercadoria.

O nível do Rio Negro registrou mais um recorde nesta quarta-feira, 18, chegando a 13,38 metros, o menor em 121 anos. Em toda a Região Norte, mais de 577 mil pessoas sofrem com os efeitos da vazante, entre eles, isolamento e desabastecimento. Além do Amazonas, populações do Acre, Amapá, Pará, Rondônia e Roraima também sofrem as consequências como escassez de água e comida, além de prejuízos à navegação, principal meio de transporte na região.

Comunitários na Comunidade Santa Helena do Inglês, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro. (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)

É nesse cenário que vivem os comunitários que dependem dos rios para o desenvolvimento do turismo na localidade, a 60 quilômetros da capital amazonense. A dificuldade para chegar à comunidade de Santa Helena do Inglês obrigou a gestora da Pousada Vista Rio Negro, Adriana Azevedo Siqueira, a cancelar os pacotes reservados para os meses de outubro e novembro.

A gente recebia mais ou menos entre 20 a 30 hóspedes, incluindo parceiros; agora, nada. Não temos como receber, porque as coisas estão mais difíceis. Os atrativos que costumávamos oferecer aos nossos hóspedes não existem mais, e é por isso que tivemos que fechar a pousada”, afirmou à REVISTA CENARIUM AMAZÔNIA.

O turismo de base comunitária na localidade envolve as famílias da comunidade em atividades como guias, cozinheiras, serviços gerais e outras. A falta de visitantes impacta diretamente na renda dos comunitários, que vivem, em muitos casos, apenas com o benefício do Bolsa Família.

Antes dos grupos chegarem, eu organizava com as pessoas que iam trabalhar dentro da pousada, chamava as pessoas para trabalhar. Gerava uma renda tanto para os guias, que ia levar os turistas, como para as cozinheiras, os serviços gerais e fora outras coisas indiretamente, porque a gente comprava goma e tucupi. Portanto, tudo isso gerava renda dentro da comunidade“, explicou Adriana.

E também nós tínhamos parceria com outra comunidade, que era o artesanato, já que a gente não tem artesanato aqui. Levávamos nossos clientes para outra comunidade, aí gerava renda nessa outra comunidade também. Isso teve que parar, com essa estiagem“, complementou.

A gestora da Pousada Vista Rio Negro, Adriana Azevedo Siqueira. (Alan Geissler/Revista Cenarium Amazônia)
Distâncias

O presidente da Comunidade Saracá, localizada também na RDS Rio Negro, Sebastião Brito, contou que nunca havia visto um seca tão impactante como esta, incluindo a de 2010, quando o Rio Negro atingiu 13,63 metros. O baixo nível do rio tem causado a escassez de água potável, formação de bancos de areia e impossibilitado até mesmo a pesca.

“Em 2010, não apareceu tanto banco de areia, esse tanto de lama, isso dificulta o acesso. Hoje, a nossa cadeia do turismo, que vem crescendo muito na RDS do Rio Negro, está totalmente prejudicada, tiveram que fechar tudo, porque não tiveram mais como atender os clientes, as pessoas que vêm nos visitar. Isso tem um impacto muito grande na geração de renda. As 14 pousadas comunitárias de pequeno porte que nós temos dentro da RDS estão fechadas, deixando de gerar mais de 112 empregos, para 112 famílias, isso é um problema muito grave“, alertou.

Presidente da Comunidade Saracá, Sebastião Brito. (Alan Geissler/Revista Cenarium Amazônia)

Os moradores da comunidade também ainda vivem sob alerta de risco de desabastecimento de mercadorias e produtos essenciais. “Temos muito comércios pequenos que estão ficando desabastecidos, não tem como vir, e aí muitos comerciantes falaram que só vão trazer a mercadoria quando voltar a água. Aquilo que hoje nós temos pouco, se continuar secando, vamos continuar sem“, disse.

Expectativa

Diante da continuidade da seca no Amazonas, os comunitários receiam que a situação piore. “Eu acredito que a tendência é ficar pior, aí a preocupação dobra, porque a gente sabe que muitas coisas podem piorar. O acesso, hoje, por meio de rabeta e canoa, a gente ainda consegue chegar em nossas comunidades. Em algumas outras, se continuar secando mais, vai fechar“, afirmou Sebastião Brito.

A gestora Adriana Azevedo Siqueira espera, com grande expectativa, a normalidade do nível do rio. “A minha expectativa é que voltasse logo o rio para gente continuar trabalhando no turismo. A gente não quer viver só de doação, a gente quer viver trabalhando, porque os ribeirinhos são assim, eles não querem viver de doação. A gente quer trabalhar para obter nossos sustentos, mas, com essa estiagem do jeito que está aí, é meio difícil a gente continuar o nosso trabalho no turismo“, concluiu.

Comunidade Santa Helena do Inglês, na Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) do Rio Negro; seca do rio já é maior da história. (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)
Apoio da FAS

A Pousada Vista Rio Negro, assim como outros empreendimentos turísticos na região do Rio Negro, foi implementada pela Fundação Amazônia Sustentável (FAS), com recursos do Fundo Amazônia. O objetivo, segundo a fundação, é estimular o desenvolvimento do turismo protagonizado pelas pessoas que vivem nas comunidades, mantendo a floresta em pé e promovendo a prosperidade social.

Na última sexta-feira, 13, organizações da sociedade civil, reunidas na Aliança Amazônia Clima, realizaram a entrega de cestas básicas na RDS do Rio Negro, que beneficiaram mais de 150 pessoas nas comunidades Santa Helena do Inglês e Saracá.

Tivemos muita dificuldade de chegar, mas chegamos e é importante dizer que a Aliança Amazônia Clima tem tudo para contribuir com o poder público e trazer um alento para as comunidades impactadas pela seca. É desafiador, é difícil, mas não é impossível, e esse é só o começo do trabalho que temos pela frente”, afirmou a superintendente de Desenvolvimento Sustentável da FAS, Valcleia Solidade.

Entrega de doações na Comunidade Santa Helena do Inglês. (Ricardo Oliveira/Revista Cenarium Amazônia)
Como ajudar

A Aliança Amazônia Clima arrecada alimentos não perecíveis, água potável e valores financeiros para compra de itens de necessidade básica em apoio às comunidades afetadas pela seca extrema na região.

As doações podem ser entregues na sede da FAS, localizada na Rua Álvaro Braga, 351, bairro Parque 10, em Manaus (AM). As contribuições financeiras podem ser feitas por meio da chave PIX 03351359000188 – Fundação Amazônia Sustentável e pelo site bit.ly/doe-amazonia.

Veja a reportagem completa no YouTube do Canal Cenarium Amazônia:

(*) Colaborou Ana Pastana

(*) Fundação Amazônia Sustentável