Violência política e eleitoral: negros são vítimas de 50% dos casos no Brasil, aponta levantamento

Mulheres negras integram 23% dos casos de violência no País (Wilson Dias/Agência Brasil)

21 de outubro de 2022

19:10

Priscilla Peixoto – Da AGÊNCIA AMAZÔNIA

MANAUS – Pessoas negras são vítimas de 50% dos episódios de violência política no Brasil. O dado é da segunda edição do levantamento “Violência política e eleitoral no Brasil”, uma produção das organizações de direitos humanos Terra de Direitos e Justiça Global, divulgado no último dia 10 de outubro, no qual apontou pouco mais de 200 casos de violências políticas contra pessoas negras entre 2 de setembro de 2020 a 31 de julho de 2022.

De acordo com o levantamento, “parlamentares negros, mulheres, LGBTQIAP+ e defensores dos direitos humanos são as vítimas que mais sofrem com a violência política e eleitoral de forma reincidente“. Além disso, o relatório mostra que 37% dos casos de violência política ocorreram contra mulheres cisgêneras, indivíduo que se identifica com o sexo biológico com o qual nasceu, ainda que elas representem 16% das pessoas eleitas em 2018 e 2020. Já as mulheres negras integram 23% dos casos de violência no País.

 Levantamento “Violência política e eleitoral no Brasil” (Reprodução/Divulgação)

Na leitura da promotora de Justiça e eleitoral e integrante da Comissão Feminina de Observação a Candidaturas Femininas e Combate à Violência de Gênero, Carla Cristina, os dados refletem uma herança colonial que necessita ser quebrada, mas que, “infelizmente”, ainda são fortes e presentes no cotidiano de negros e mulheres.

Existe em nosso cenário, uma linguagem racista muito forte, essa linguagem precisa ser, urgentemente, desconstruída, pois é justamente isso que impacta nessa violência. Essa herança colonial que nós vivemos reflete no gênero e na raça e não vai deixar de refletir enquanto não houver políticas, incentivo à instrução, para que as pessoas possam se entender enquanto sujeitos racializados como, necessariamente, são e conseguir ler os espaços de poder desse modo“, explica.

 Levantamento “Violência política e eleitoral no Brasil” (Reprodução/ Divulgação)

A profissional também fala sobre o viés da representatividade dentro dos espaços de poder. Carla atenta que no momento em que uma pessoa representa um grupo, geralmente marginalizado e inferiorizado pela sociedade, começa a falar sobre tais questões dentro de um ambiente em que há interesses diversos e passa a incomodar, principalmente, quando se é levantada a questão de que o ideal não é manter a renda na mão de poucos, mas distribuir a renda para que seja plural e todos tenham direitos.

Ela começa a incomodar porque está agindo contra o interesse da maioria, naquele momento, então, a representação é difícil nesse ponto, de a pessoa até mesmo conseguir se manter viva. É muito o exemplo do que foi Marielle Franco dentro da Câmara do Rio de Janeiro, porque você tem convicção de que sua luta não é só sua, mas, ao mesmo tempo, as estruturas de violência e de opressão são muito fortes e mexem com todo esse organismo de poder de decisão político e poder de decisão de aplicação de recursos multimilionários e distribuição de renda“, destaca.

Marielle Franco tinha pouco mais de um ano de mandato quando foi assassinada. O carro da vereadora foi alvejado, atingindo também o motorista Anderson Gomes. A morte de uma representante eleita pelo povo foi entendida por setores da sociedade como um ataque à democracia.

Racismo estrutural

Para o sociólogo Luís Antônio, ao se elegerem, sejam deputados, vereadores, prefeitos, a condição de negro se reafirma e ganha uma dimensão mais pujante em meio ao racismo estruturado, como uma afirmativa entranhada na sociedade brasileira.

É como se ele estivesse questionando: o que você está fazendo aqui? Aqui não é seu lugar, vai embora daqui! O Brasil é um País racista, a educação, o Direito, a religião, a Justiça e todas essas instituições, elas foram forjadas em um caldo de cultura racista e dito isto, quando você olha para os lugares de poder, esses espaços são também espaços de poder racista“, enfatiza o sociólogo que complementa:

É esperado que os grupos socialmente diferenciados, quando conseguem ascender aos espaços de poder, eles vão, sim, sofrer uma série de ataques, e se em um passado recente esses ataques poderiam ser subliminares, o bolsonarismo trouxe, liberou e abriu a porta para que as pessoas atacassem esses homens e mulheres negros, trans, LGBTQIAP+ com muita violência“.

Mais dados

O relatório mostra que, de 2 de setembro de 2020 a 31 de julho deste ano, foram 181 casos envolvendo brancos, o que equivale a 45%. Amarelos e indígenas somam 5 casos que foram mapeados a “partir do monitoramento de notícias nas plataformas de busca da internet e nas redes sociais e sendo considerados apenas os casos em que houve participação direta de agentes político-institucionais ou de lideranças partidárias.
A pesquisa aponta que de 2 de setembro de 2020 a 2 de outubro deste ano, houve, pelo menos, 523 casos de violência dentro do segmento citado, vitimando 482 pessoas – em alguns episódios, uma mesma pessoa foi vítima mais de uma vez do mesmo tipo de violência. Neste ano, a cada 26 horas um episódio de violência política é registrado no País.

Levantamento “Violência política e eleitoral no Brasil” (Reprodução/Divulgação)

A violência política e eleitoral segue aumentando no País e, apenas nos dois meses que antecederam o 1° turno das eleições, em 2022, o número de episódios de violência política quase se igualou à quantidade de casos registrados nos primeiros sete meses do ano. É isso o que revela a segunda edição da pesquisa Violência Política e Eleitoral no Brasil, produzida pela Terra de Direitos e Justiça Global”, ressalta o texto.

O “Violência política e eleitoral no Brasil” é uma continuação de um levantamento iniciado em 2020, que analisa os episódios de violência política desde 2016. Segundo o documento, desde o início da atividade foram registrados 850 casos de violência política no Brasil.