14 de julho de 2023
13:07
Marcela Leiros – Da Agência Amazônia
MANAUS – Canoa, Homem Vermelho, Jabuti e Caminho da Anta. Esses são apenas alguns nomes de constelações de povos indígenas brasileiros estudados na pesquisa “Cultura Estelar Tupi-Guarani”, que estuda a forma como os originários do Brasil interpretam o universo “lá de cima”. A partir do estudo do grupo de pesquisa do historiador Gustavo Villa, surgiram dois projetos: uma exposição que leva o mesmo nome e um livro a ser publicado futuramente, ambos com ilustrações da artista e ativista indígena Mū’ūybí Machacalis.
No mundo ocidental, acostumado à cultura greco-romana, as constelações foram nomeadas como Andrômeda, Pégaso e Flecha, por exemplo, e utilizadas como mapa, calendário ou relógio pelas civilizações ao longo dos anos. Por isso, Villa analisou que a divulgação científica brasileira ainda permanece o que ele chama de “colonizada”, presa a estereótipos europeus, já que valoriza pesquisas relacionadas àqueles conhecimentos, enquanto os povos indígenas do país possuem suas próprias formas de interpretar os cosmos.
“Esse conhecimento dos povos originários é muito rico e eu tenho certeza que quando o mundo conhecer, até a maneira do próprio mundo vê os povos originários do Brasil pode mudar“, afirma. “As constelações dos povos originários não são simples desenhos no céu, elas têm a ver com a época do ano, com as cheias dos rios, as migrações dos animais, os comportamentos dos animais, então é um conhecimento que não deixa de ser científico, apesar de ser em muitas partes intuitivo e observacional, mas está ligado ao nosso meio ambiente“, conta.
A pesquisa conta com referências dos Tupinambá, no Maranhão; os Tembé, do Mato-Grosso; dos Pataxó, de Minas Gerais; e dos Guarani, do Mato Grosso. São cerca de 15 constelações e fenômenos celestes como eclipses e chuvas de meteoros. As informações foram coletadas a partir da vivência com as comunidades indígenas.
“Eu vejo isso como uma grande possibilidade da ciência no Brasil aprender a lidar com esse meio ambiente de outra forma, mais afetiva, como os povos originários lidam. Pelo que eu vejo, o indígena não preserva a natureza só por uma questão de sobrevivência da humanidade, ela tem amor a essa mata, porque ali estão as suas entidades, os seus antepassados. Então a minha proposta é levar essa maneira de observar o mundo para a academia, que está muito desconectada dessa questão mais sagrada, do sagrado da natureza“, explica.
Projetos
A exposição fotográfica, assim como o livro, estão em fase de produção, ainda sem data para lançamentos. O plano, segundo Villa, é expor nos planetários do Brasil. “A proposta é disseminar o projeto nos planetários brasileiros para gente parar de ensinar a partir da mitologia grega. Não faz sentido nenhum para uma criança da Amazônia olhar pro céu e procurar um Perseu, Hércules, Medusa, se eles estão vendo a Onça, Tamanduá, o Tatu, que já são muito familiares para eles“, afirma.
A ativista Mū’ūybí Machacalis contribuiu, além das ilustrações, com conhecimentos de astronomia. Ela tem transtorno do espectro autista (TEA), com hiperfoco no estudo dos cosmos, destaca a ciência estudada e ensinada pelos seus ancestrais que é tão importante quanto a ciência ensinada pelos brancos.
“Eu aprendi um pouco da astronomia ensinada pelos gregos, e também aprendi ensinada pelos meus ancestrais“, conta. “Quase o mesmo que aprender a falar na língua indígena para comunicar com os parentes e aprender o português para comunicar com os não-indígenas“.
Por enquanto, a exposição fotográfica “Cultura Estelar Tupi-Guarani”, com ilustrações de Mū’ūybí Machacalis, pode ser visitada no link.
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