Especialistas do setor petroleiro são unânimes sobre prejuízos da venda de refinaria no AM: ‘Monopólio regional’

Fachada da Refinaria Isaac Sabbá (Reman), no Amazonas. (Reprodução/ CUT)

23 de março de 2022

14:03

Marcela Leiros e Youseff Bezerra – Da Revista Cenarium

MANAUS E BRASÍLIA — A compra e consequente privatização da refinaria Isaac Sabbá (Reman), no Amazonas, pelo Grupo Atem, foi debatida na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado nesta quarta-feira, 23, pelo segundo dia consecutivo. Durante cinco horas de audiência, especialistas e representantes dos órgãos do setor petroleiro foram unânimes sobre os prejuízos que o monopólio da única refinaria do Estado e de toda a Região Norte trará para a economia.

Em 2021, a venda da Reman ao Grupo Atem foi parar na Justiça após o Sindicato dos Petroleiros do Amazonas (Sindipetro-AM) ingressar com ação popular. Ao final da audiência pública nesta quarta-feira, o senador Plínio Valério (PSDB), quem presidiu a sessão, destacou que o objetivo do debate “foi dar espaço e voz aos petroleiros e àqueles que são contrários à privatização”. Ele também pontuou que, caso a votação da comercialização chegue à Casa Legislativa, o que foi discutido servirá para amparar as decisões.

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A refinaria tem capacidade também de atender o mercado consumidor dos Estados do Pará, Amapá, Rondônia, Acre, Amazonas e Roraima. Entre os argumentos utilizados, pela Petrobras, para a venda da refinaria, estão o aumento da concorrência e redução do preço dos combustíveis. As possibilidades, no entanto, são inviáveis conforme indicaram os convidados da audiência pública, baseando-se também no “case de insucesso” da venda da refinaria Landulpho Alves (RLAM), na Bahia.

A pesquisadora do Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Ineep) Carla Ferreira destacou um estudo da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RIO), que indicou alta possibilidade de formação de monopólios privados, sem garantia de aumento de competitividade que possa se refletir em redução de custo aos consumidores finais.

“As refinarias foram dispostas geograficamente para atender o abastecimento de mercados específicos, elas não concorrem entre si. Especialmente no caso do Amazonas, os custos logísticos para chegada de derivados de outras refinarias são muito relevantes, o que impediria um concorrência efetiva naquele mercado. O que, na verdade, vai se criar é um monopólio regional do setor privado no refino do Amazonas, com implicações na volatilidade dos preços, que vai ficar refém desse novo ator privado atuando na Reman e também nas importações”, explicou a pesquisadora.

O valor da venda da Reman também foi destacado por Carla Ferreira. Segundo ela, estimativas feitas pelo Ineep apontaram que o valor da comercialização terá um “desconto” de 30% no valor de mercado da refinaria. “A estimativa foi de 70% do valor do ativo, então a venda de US$ 180 milhões deveria ser, no mínimo, de US$ 279 milhões a US$ 375 milhões. Um preço muito abaixo do valor de mercado da estrutura da Reman”, completa ela.

Política de desinvestimento

O coordenador do Sindicato dos Petroleiros do Amazonas (Sindipetro-AM), Marcus Ribeiro, enfatizou que a venda da refinaria é mais um processo na “política de desinvestimento e privatização” da Petrobras, que acarretará, além da alta dos preços, no desemprego na região.

“A venda da nossa refinaria é absurda de ser concretizada porque vai afetar diretamente o povo amazonense. É a única do Estado, a única do Norte. Esses argumentos para justificar não ‘colam’ na realidade”, destacou ele.

Ribeiro ainda citou o caso da própria refinaria que teve um unidade de processamento fechada em 2021, acarretando na redução do fator de utilização e na queda da produção de GLP e gasolina. “Nós temos três unidades de processamento: a 2111, 2110 e a UCC, importantíssima para geração de gasolina e gás de cozinha. Do ano passado para cá, essa unidade foi fechada. Estamos deixando de produzir GLP, gasolina, para dar prioridade à importação. Nós podemos produzir, suprir a demanda do mercado local, colocar o preço da gasolina baseado no nosso mercado, e isso não está acontecendo”, explicou o coordenador do Sindipetro-AM.

Venda de refinaria na Bahia

O último a ser ouvido na audiência foi o coordenador-geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar, explanando sobre a venda da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), localizada em São Francisco do Conde, na Bahia. A refinaria foi vendida à Mubadala Capital.

“O governo federal mentiu, a atual gestão da Petrobras mentiu, dizendo que com a venda da refinaria na Bahia haveria aumento da concorrência, a baixa dos preços e a garantia do abastecimento do mercado regional”, disse ele.

“O que aconteceu na Bahia: com a venda da refinaria Landulpho Alves, com todo a estrutura logística, a primeira comprovação foi de desabastecimento. Nós ainda estamos tendo dificuldade de abastecer navios que chegam à Baía de Todos-os-Santos porque a refinaria foi privatizada para um grupo de investimentos do Emirados Árabes, que produz o óleo combustível e exporta, e não garante o abastecimento do mercado nacional dos navios que chegam. Está faltando óleo bunker e óleo combustível para navio na Bahia”, concluiu Deyvid Bacelar.

Veja a audiência na íntegra: