12 de janeiro de 2024
20:01
João Felipe Serrão – Da Agência Amazônia
MANAUS (AM) – No Big Brother Brasil (BBB), o cantor de pagode Rodrigo Amaral Silva, mais conhecido como “Rodriguinho”, após vencer a prova do líder na quinta-feira, 11, escolheu a amazonense e cunhã-poranga do Boi-Bumbá Garantido, Isabelle Nogueira, como um dos alvos para o paredão. Ao se referir a participante, ele utilizou o termo “índia”.
O artista foi corrigido pela representante do Amazonas no reality, que explicou o porquê do termo estar incorreto. “O termo ‘índia’ é um termo pejorativo, porém, o mundo está compreendendo isso agora. Quando você vai falar de um indígena de fato, [o certo] é indígena ou povo originário. ‘Índio’ foi quando o colonizador chegou ao Brasil”, afirmou a cunhã-poranga.
Essa é uma dúvida recorrente a respeito dos povos originários. Índio ou indígena? De acordo com o escritor indígena e ator Daniel Munduruku, o termo mais adequado é “indígena”. Conforme o ativista, muitas pessoas não estão conectadas com as mudanças no uso das palavras que melhor definem cada grupo minoritário.
“Indígena sim, índio não. Indígena é afirmação. Índio é negação. Indígena é pertencimento. Índio é apelido e apelido é negação. Simples assim. Semanticamente, a palavra índio não tem significado algum”, afirmou Munduruku.
O escritor, que tem uma extensa bibliografia, com mais de 60 livros escritos e publicados, com frequência discute o tema como uma forma de desmistificar e trazer à tona a luta dos povos originários que vivem no Brasil.
Daniel fala ainda que a palavra “índio” é vazia e pontua que indígena quer dizer originário, de origem, e está ligado à raiz. “Vale lembrar que indígena é diferente de nativo. Nativo nasce num lugar, mas não é necessariamente indígena. Eu gosto mais de usar a palavra indígena que originário. Ela demarca melhor o território do pertencer indígena”, declarou Daniel.
‘Índia não sou’
Para a escritora indígena e doutoranda em Estudos Linguísticos pela Universidade Federal do Pará (UFPA), Márcia Kambeba, o termo “índio” carrega uma violência que remonta ao passado colonial do País, sendo considerado pejorativo.
“A palavra ‘índia’ carrega um peso muito grande de sangue, violência e invasões. Começa quando os colonizadores europeus chegaram aqui e achavam que tinham encontrado a ‘Índia’ [País asiático] e nos apelidaram de ‘índios’. Hoje, esse termo soa pejorativo na boca dos não indígenas”, disse Kambeba.
Márcia Kambeba, que em seu trabalho retrata a força da ancestralidade indígena, escreve poesias com um olhar ambiental, geográfico e cultural, na busca por valorizar a cultura e informações dos povos originários.
Um dos poemas mais conhecidos da escritora se chama “Índio eu não sou”, que problematiza o termo e retrata a origem colonial da palavra.
A escritora afirmou que fez o poema como uma forma de promover a educação a respeito dos povos originários. A obra está presente em diversos livros didáticos que são distribuídos nas escolas públicas do Brasil.
“Quando escrevi o poema, era justamente para mostrar para as pessoas, principalmente as crianças não indígenas, e indígenas também, a ideia de decolonização, desfazer determinados rótulos e palavras que, historicamente, são carregadas de violência. Os povos originários foram violentados, mortos, houve um massacre e muito sangue derramado nos nossos solos sagrados. Tudo isso, a palavra ‘índio’ traz consigo”, destacou Márcia Kambeba.
Dia dos Povos Indígenas
Em 2023, pela primeira vez, foi comemorado o Dia dos Povos Indígenas, no dia 29 de abril. Antes, a data era chamada de “Dia do Índio”. O projeto de lei que alterou o nome foi de autoria da então deputada federal Joenia Wapichana, atual presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), e tem o objetivo de explicitar a diversidade das culturas dos povos originários.
A coordenadora-geral da Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Apiam), Mariazinha Baré, afirmou que o termo “índio” foi uma estratégia dos colonizadores para apagar a pluralidade dos povos originários, generalizando e diminuindo a complexidade de vivências e saberes desses grupos.
“Hoje, mais do que nunca, ele é utilizado como termo pejorativo, que reforça, inclusive, estereótipos sobre os indígenas. É um termo preconceituoso que, geralmente, retrata os povos como selvagens, como foram chamados lá atrás, apontados como atrasados, preguiçosos e por aí vai. Não tem nada a ver com a nossa realidade. É uma estratégia política do colonizador de se apropriar e de apagar nossas culturas“, finalizou Mariazinha.