‘Muita gente tem consciência, mas poucas têm atitude ambiental’, catadores falam de desafios

Cacilda, Andreia e Ozileni: família trabalha com coleta e separação de materiais recicláveis (Ricardo Oliveira/Agência Amazônia)

24 de janeiro de 2023

15:01

Ívina Garcia – Da Agência Amazônia

MANAUS – Preconceito, dificuldade para escoar produtos e informalidade são os principais desafios enfrentados pela Associação de Catadores de Materiais Recicláveis do Estado do Amazonas (Ascarman), localizada na Zona Norte de Manaus, capital do Estado.

Trabalhando no ramo há mais de 20 anos, Cacilda Soares iniciou a vida de catadora e recicláveis no “lixão”, em 2003, onde atualmente fica localizado o Aterro da Cidade de Manaus.

A gente ia pro lixão para ter o que comer, as pessoas jogavam coisas boas fora, roupa, comida que só venceria na outra semana. Vivíamos assim“, conta a catadora, que diz ter vivido momentos de terror enquanto tentava sobreviver com materiais tirados do lixo.

Cacilda, Andreia e Ozileni: família trabalha com coleta e separação de materiais recicláveis (Ricardo Oliveira/Agência Amazônia)

Segundo Cacilda, à época, o responsável pelo local era rígido e cometia atrocidades para tentar impedir que as pessoas voltassem ao lixão. Entre relatos de agressões, estupros e tentativas de homicídio, Cacilda sustentava a família enfrentando todos esses obstáculos para colocar comida na mesa.

“As pessoas estavam no lixão não porque queriam reciclar, era por necessidade.”

Cacilda Soares, catadora de recicláveis

Capacitação e oportunidade

Em 2005, a Prefeitura de Manaus chamou Cacilda e outros conhecidos catadores para iniciar um trabalho de educação ambiental. O projeto resultou na associação, que, atualmente, tem como principal objetivo a reciclagem.

No começo, ela conta que houve certa resistência de alguns colegas, que acabaram abandonando o projeto. Com isso, os filhos, marido e nora entraram para a associação e ajudaram expandir os negócios.

Atualmente, a Ascarman recebe materiais de supermercados, lojas e pessoas que deixam o lixo reciclável no local para ser separado e adequado, assim poderá ser comprado por uma empresa que trata o material e o transforma em algo novo.

Atitude ambiental

Diariamente são criados inúmeros resíduos, que acabam no Aterro da Cidade de Manaus ou têm como destino os rios e igarapés, causando poluição que pode ficar irreparável para o meio ambiente. É por conta disso que os associados visam expandir seus trabalhos, enquanto sustentam suas famílias com a atividade.

“Ela sempre lutou para que isso aqui fosse formalizado, é o que ela sempre quis, para que a gente tivesse melhoras. Sempre pensando no coletivo.”

Andreia Soares, catadora e filha de Cacilda.
Galpão recebe materiais recicláveis de toda a cidade (Ricardo Oliveira/Agência Amazônia)

Andreia Soares, uma das filhas de Cacilda, conta que desde a pandemia a atividade tem sido mais difícil, porque a alta do dólar desvaloriza o material reciclável e faz com que as empresas prefiram comprar ‘material virgem’.

A reciclagem depende muito do dólar, passando de R$ 5 fica muito ruim, porque o preço da matéria-prima cai e para eles fica mais vantajoso comprar o material virgem do que gastar dinheiro com limpeza de recicláveis“, explica Ozileni Vital, tesoureira da associação.

Conforme Ozileni, a caixa de ovo está sendo comprada na Venezuela pelos supermercados. “Lá, a caixa é vendida à R$ 0,10, a unidade, aqui, a gente cobra R$ 0,50, às vezes, R$ 0,60. Eles vão comprar aqui? Não vão. Eles preferem gastar no frete”.

Fotos: Ricardo Oliveira/Agência Amazônia

Preconceito

Andreia relata que parte da adolescência foi ouvindo sua casa sendo chamada de “lixão“. Isso porque no começo da associação, Cacilda ofereceu o próprio terreno para iniciar o projeto. “As pessoas perguntavam: ‘Ah, você mora no lixão?’ E eu respondia que sim. Na frente da nossa casa tinha uma pilha de materiais e ninguém queria saber se era para reciclar, só chamavam de lixão“, conta.

Mesmo com a ampliação da Associação de Catadores de Materiais Recicláveis do Estado do Amazonas (Ascarman), que agora possui um galpão para o depósito, Andreia conta que eles ainda sofrem preconceito e comentários até de pessoas que vão fazer o descarte.

Alguns pedem para gente buscar e a gente cobra o valor da gasolina e eles acham absurdo ter que pagar. Muita gente tem a consciência ambiental de separar o lixo, mas poucos têm a atitude ambiental de vir aqui deixar ou pagar para alguém deixar“, relata.

Para a associação, a meta é crescer ainda mais e poder atingir mais zonas e empresas na cidade. “A gente está sempre pensando em expandir, tanto para ajudar na reciclagem quanto para conseguir se manter”, diz.

Resíduos Sólidos

Conforme a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), a Região Norte é responsável por 7,5% da geração de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU), ficando empatada com o Centro-Oeste, sendo os menores geradores do Brasil, em 2022.

Apesar disso, a região é uma das que menos realiza coleta regular de RSU, conforme a pesquisa. Cerca de 82,78% da população tem a cobertura de coleta. Além disso, o estudo mostra que menos de R$ 1 bilhão foram investidos nos serviços de limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos no Norte, em 2021.

Essa falta de investimentos também resulta em uma menor geração de empregos na área. Conforme o levantamento, a Região Norte tem o pior índice de geração de empregos no setor de limpeza urbana, são cerca de 24 mil postos gerados por ano, contra 98 mil gerados pela Região Nordeste, por exemplo.

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