Seca dos rios faz preço dos alimentos dobrar no interior do Amazonas

Comunidade Porto Praia, no Solimões, mostra seca em Tefé (Reprodução)

17 de outubro de 2023

14:10

Yana Lima – Da Agência Amazônia

MANAUS – A seca dos rios causou uma crise logística, gerando desabastecimento em muitas comunidades no interior do Amazonas. Os produtos que chegam aos municípios mais distantes estão sendo vendidos a preços mais altos. Em Tefé, distante 523 quilômetros de Manaus, o quilo do frango congelado, que antes custava R$ 7, agora é vendido a R$ 11. Um aumento de 57%.

Além disso, itens perecíveis, como legumes, sequer chegam a essas áreas remotas. Segundo comerciantes da região, os preços estão mais elevados devido às dificuldades no transporte dos produtos. Os custos adicionais são repassados para os consumidores.

Edna Rocha Lopes é moradora da comunidade de Bom Jesus, situada na Unidade de Conservação na Floresta Nacional de Tefé. Ela conta que os barcos que normalmente abastecem a cidade não conseguem mais alcançar o porto do município. O ponto de abastecimento agora está a uma distância de quase mil quilômetros, segundo ela.

“Recentemente, fui ao centro da cidade e, ao adquirir itens básicos, como um litro de óleo, um quilo de arroz, uma barra de sabão, uma garrafa de água sanitária e um sabão líquido, fui surpreendida com a conta de R$ 100”, lamenta.

Lista de compras mostra preço dos produtos em Tefé (Foto: Stéffane Azevedo)

O agricultor Francisco Darcio Falcão conta que a cesta básica na região custava cerca de R$150 e, conforme a última cotação feita por ele, está custando próximo aos R$ 200.

“Nos anos anteriores, não enfrentamos essas mesmas dificuldades, pois os barcos conseguiam chegar ao porto. A situação é complicada. A seca está tornando tudo mais difícil, e a produção dos agricultores também está mais cara. Antes, quando tínhamos bastante água, levaria apenas uma hora e meia de barco para chegar a Tefé, mas, agora, com a seca, leva 12 horas. A situação é bem difícil”, explica.

Francisco Falcão fala da rotina da comunidade durante estiagem severa (Vídeo: Francisco Falcão)
Logística

As embarcações de Manaus estão atualmente ancoradas entre o Rio Solimões e o Lago Tefé. Essas embarcações permanecem na intersecção desses dois rios e dali a operação de descarregamento de produtos e outros itens acontece. Alguns moradores precisam caminhar até 25 quilômetros para conseguir buscar alimento nestes pontos.

O Lago do Tefé foi onde centenas de botos e peixes apareceram mortos. As carcaças em decomposição contaminam a água, e, além da crise na entrega de alimentos, os moradores locais não podem pescar e nem utilizar a água da torneira para consumo direto.

Morador de Tefé recepcionando carga com alimentação (Foto: Raimundo Falcão)

Esta é a realidade em vários outros municípios. Em Benjamin Constant (AM), Oeste do Estado do Amazonas, as embarcações de maior porte não chegam mais. Os carregamentos chegam apenas a Tabatinga, município vizinho, o que afetou o preço dos produtos, que agora levados a Benjamin Constant em embarcações menores, como as canoas e voadeiras.

Cargas

O cenário não é animador. No Amazonas, onde os rios fazem a vez de estradas, a Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (Abac) projeta que mais de 60% das cargas que dependem do transporte fluvial na região podem não conseguir transitar no Amazonas no último trimestre deste ano, por causa da estiagem. A informação é do presidente da Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (Fieam), Antônio Silva.

Os prejuízos afetam desde as comunidades ribeirinhas, onde o alimento não chega, até as grandes indústrias, que ficam sem componentes e insumos. Como efeito cascata, isso gera menos produção, e as empresas podem ser forçadas a reduzir suas operações e, consequentemente, a redução do Produto Interno Bruto (PIB) e o desemprego. Com o segundo maior porto nacional em movimentação de contêineres de cabotagem, Manaus desempenha papel crucial na economia da Região Norte e do Brasil.

A seca dos rios afeta pelo menos seis dos nove Estados da Amazônia Legal. O Amazonas aparece como o mais afetado pela estiagem, com 557 mil pessoas impactadas pelos efeitos da vazante, entre eles, isolamento e desabastecimento.

Populações do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia e Roraima também enfrentam consequências como escassez de água e comida, além de prejuízos à navegação, principal meio de transporte na região.